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Neilde Barcellos

Conhecer direitos para abrir caminhos

Por Jéssica Pires e Julia Bruce


Esta é a coluna Quem Tece a Redes, um compilado das histórias de pessoas que constroem a nossa organização e que tecem todos os dias o que fazemos de melhor: ações e projetos para moradores da Maré. Conheça aqui essas histórias, trajetórias, experiências e a própria história da Redes da Maré - e como esse trabalho e os desafios enfrentados a partir da pandemia os têm transformado.

Há 22 anos, Neilde Barcellos (61) chegou na Redes da Maré e viu a instituição crescer e se desenvolver. Junto com ela, Neilde também foi construindo sua trajetória, compreendendo seus direitos como cidadã e ensinando seus filhos, Maria Letícia e Cadu Barcellos, que a educação é um caminho para a mudança. Hoje, Neilde trabalha na administração do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça e sempre reforça: “Daqui não saio, daqui ninguém me tira”.


Neilde nasceu em Brás de Pina, bairro da zona norte do Rio de Janeiro, e veio para a favela da Nova Holanda, no Conjunto de Favelas da Maré, antes dos 6 meses de idade, devido às remoções no final da década de 1960, durante o regime militar. Quando sua família chegou no território, não havia luz: “Acendíamos lamparinas, muitas casas não tinham água, mas a minha tinha porque meu pai fez um poço. As casas de palafitas foram aumentando com o tempo”, relata. Seu pai, Nelson, foi o primeiro padeiro da Nova Holanda e seu irmão, Nezinho, trabalhou na construção de um albergue que hoje é o espaço do prédio central da Redes da Maré.

Aos 25 anos, Neilde se casou e se mudou para a Vila do Pinheiro, onde teve seu primeiro filho, Cadu Barcellos. Por 32 anos, ela morou na comunidade e dez anos depois, ficou grávida da sua segunda filha, Maria Letícia. Trabalhou em fábrica de roupas, consultório dentário, com entrega em Copacabana e chegou até a desfilar para lojas e feiras de moda. “Com o passar do tempo, muitas fábricas de moda fecharam suas portas e o trabalho era muito complicado. Eu não tinha direitos trabalhistas, não podia ir ao banheiro na hora que quisesse. Em outra [fábrica] que trabalhei, eles não me deixaram sair quando meu filho quebrou o braço. Era como se nesses lugares eu tivesse sido escravizada, diferente daqui [na Redes da Maré]. Aqui me senti acolhida e abraçada”, conta.

E foi o Cadu, seu filho mais velho, que apresentou o curso Preparatório para o Ensino Médio para sua mãe, que assim conheceu a Redes da Maré. A partir dali, Neilde foi entrando na organização, começando a trabalhar na cantina do curso. Também foi telefonista, secretária do prédio central, fez parte da equipe de compras do projeto Maré de Sabores e foi assistente administrativa e coordenadora do setor de Apoio. Hoje, atua como assistente administrativa do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça.

“Quando eu trabalhava na cantina do Curso Pré-Vestibular, muitos alunos voltavam do trabalho com fome, e tinha as aulas chamadas ‘Corujão’ que iam até meia noite, onde eu servia o lanche pra eles. Tempos depois, alguns já voltaram formados em doutorado, casados, etc. Isso pra mim é gratificante. Costumam falar: ‘Neilde, você ainda tá aqui!’ e ela responde: “Daqui não saio e daqui ninguém me tira!”.

Sobre como ela enxerga o trabalho da Redes da Maré, o primeiro pensamento que lhe vem à cabeça é que seus filhos foram os primeiros da família a entrarem em uma universidade. Neilde nunca exigiu que seus filhos trabalhassem cedo, pois sempre priorizou os estudos. “Foi muito bom chegar na Redes da Maré, porque eu não tinha conhecimento de nossos direitos. Nós, mães faveladas, não sabíamos que nossos filhos tinham o direito de fazer cursos e outras atividades. Fui descobrindo também o que eu tinha para oferecer”, se emociona.

Maria Letícia, a filha mais nova, também foi aluna dos cursos Preparatório para o 6º ano, Ensino Médio e CPV, atuou como secretária e, depois, produtora de eventos do Centro de Artes da Maré. Seu filho, Cadu, foi aluno da Cia TeatroDança Ivaldo Bertezzo, se tornou bailarino e teve oportunidades de viajar para o exterior. Se formou em Cinema e foi diretor e roteirista do filme ”Cinco vezes favela – Agora por nós mesmos”, entre outros trabalhos. Ele também se fez muito presente na Redes, onde palestrava nos cursos preparatórios. No entanto, sua trajetória foi interrompida quando foi brutalmente assassinado, em novembro de 2020.

“Tem dias que a saudade dói tanto, que é muito difícil falar pra quem nunca sentiu isso. Não quero que ninguém sinta. Cadu falava que eu estava sempre fazendo alguma coisa pelos outros, acolhendo, e muitas pessoas disseram pra mim que me viam como uma mãe. Neste momento que perdi meu filho, minha casa ficou cheia de pessoas, fui tão abraçada, fui muito acolhida aqui", desabafou.

 

 



 

 

 

 

Rio de Janeiro, 25 de julho de 2022.

 

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