return
1º edital Mostra Maré de Música trouxe conexões para atuação de artistas da Maré no mercado fonográfico

Julia Bruce

Criação de pontes, acesso e promoção de uma cultura de educação sobre o mercado da música para artistas independentes da Maré foram alguns dos principais efeitos sonoros do primeiro edital da Mostra Maré de Música, realizado entre setembro de 2022 e janeiro de 2023. Em maio, a coletânea de singles dos oito artistas do Conjunto de Favelas da Maré contemplados pelo projeto foi lançada (veja aqui), fruto de cinco meses de formações, mentorias, experiências em estúdios e apresentações no território.

 

A partir do dia 9 de junho (sexta-feira), às 21h15, o Canal Futura estreia a edição especial do programa Caça Joia apresentando uma série de entrevistas com os artistas: Evy, Kamy Mona, Guthierry, Nizaj, No Lance, Natalhão, Agona e Preta QueenB Rull.

 

VEJA OS CLIPES

 

O angolano Nizaj em gravação do clipe “Tu”. “A importância da Mostra Maré de Música afirma nossa imagem como artistas do território Maré”, conta o artista que cresceu na favela”. Foto: Douglas Lopes

Com realização da Redes da Maré, parceria do Canal Futura, co.liga, Dobra Música, Altafonte Brasil, e apoio do estúdio Audio Rebel e patrocínio do Itaú, o edital teve início com um primeiro encontro no Centro de Artes da Maré, na Nova Holanda, reunindo a equipe e os diferentes artistas locais, apresentando suas propostas e escutando ativamente os jovens. O diálogo mais próximo com a música independente foi uma das principais características de todo o processo de criação nesse tempo. “Editais como esse dão acesso, criam pontes. Não estamos colocando nem criando nada novo, na verdade, estamos conectando pessoas, entidades, iniciativas. É se colocar nesse lugar da ponte - porque a gente entende que todos esses jovens já têm uma grande potência, já realizam muito nos seus microterritórios - assim, como podemos expandir, ampliar essa atuação?”, reflete a gerente de produção e projetos da Fundação Roberto Marinho e do Canal Futura, Deca Farroco.

 

Lançamento do edital da Mostra Maré de Música, no Centro de Artes da Maré. Foto: Douglas Lopes

 

 

Ao enviarem suas músicas-demo para o edital e contarem sobre suas trajetórias e experiências, os artistas passaram pela avaliação de uma banca que contou com a participação do músico percussionista e arte educador Rodrigo Maré; da consultora externa de parcerias criativas estratégicas e marketing institucional para a Altafonte Brasil, Renata Mader; da coordenadora do eixo Arte, Cultura, Memórias e Identidades da Redes da Maré, Pâmela Carvalho; da produtora musical Larinhx; da engajadora da Música Popular Originária (MPO), Kaê Guajajara; da Deca Farroco; do cantor e compositor Chinaina; e da diretora e coordenadora de comunicação institucional da Redes da Maré, Geisa Lino.

Renata Mader reforça que foi a primeira parceria da Altafonte com uma organização em território de favela. “Fizemos uma audição na sede da distribuidora no Rio de Janeiro com os artistas, a Larinhx, os apoiadores, e foi uma noite super especial de celebração e muito importante para os artistas saírem da Maré serem ouvidos. Eles foram protagonistas de uma noite que marcou o lançamento das músicas, onde puderam apresentar seus trabalhos para um público do mercado fonográfico, abrir portas e criar conexão. Para a Altafonte apoiar um projeto como a Mostra Maré de Música e apoiar a diversidade de artistas e sonoridades é muito importante e necessário.”

 

Audição realizada na sede da Altafonte. Foto: Patrick Marinho

 

 

Os oito artistas contemplados receberam um incentivo financeiro e prático através de gravação de single e videoclipe em estúdio profissional, com mentorias e distribuição dos fonogramas nas plataformas digitais. As formações tiveram como temáticas os princípios básicos de distribuição, direito autoral, educação financeira, marketing digital e  desenvolvimento de carreira artística com profissionais do mercado e empresas que fazem o negócio da música acontecer.

“Senti que foi uma troca muito rica e que trouxe muito conhecimento, despertou a criatividade e a vontade de se profissionalizar cada vez mais dentro de suas carreiras artísticas. Uma das principais dúvidas foi em relação à cadeia de remuneração do autoral e do fonograma, um tema complexo até para quem já trabalha com isso há anos. Normalmente os artistas não se preocupam com essa parte mais burocrática do negócio e gestão da música, e depois sofrem consequências de contratos e acordos malfeitos. Ter esse conhecimento no início da carreira não tem preço. Por outro lado, o que mais desperta interesse sempre é sobre vivências artísticas, desenvolvimento de carreira, estratégia, o que realmente conecta os artistas a sua arte”, afirma Renata, que foi atuou na criação de programação das aulas e na curadoria dos convidados do mercado fonográfico.

Uma das formações realizadas destacou os principais processos relacionados aos direitos autorais, um tema complexo, mas que vem gerando, cada vez mais, resultados para a indústria da música. Segundo o Relatório Anual 2022 do Ecad, no ano passado, R$1,2 bilhão foram distribuídos pelo Escritório Central de Arrecadação e Distribuição, representando um aumento de 36% em relação a 2021. Dentro desse contexto, 18,5 milhões de músicas foram cadastradas. No mesmo período, 64% dos valores repassados na distribuição de direitos autorais foram para artistas nacionais em comparação ao repertório estrangeiro. “Nessa palestra, busco passar sempre o básico do assunto, por exemplo, diferenças entre obra e fonograma, direitos autorais, direitos conexos, qual o papel da UBC e do Ecad, o porquê de um artista se filiar e outros assuntos, mas sempre dando esse primeiro panorama. Se um artista entende essa primeira etapa, ela ou ele poderão conversar e negociar com todas as outras camadas do mercado da música. Outras dúvidas que surgiram foram, principalmente, sobre como receber os valores dos direitos, principalmente, no streaming e digital”, explica o A&R ("Artistas e Repertório") da União Brasileira de Compositores (UBC), Miguel Toscano.

 

As formações do edital foram realizadas no prédio central da Redes da Maré, na Nova Holanda. Foto: Douglas Lopes

 

Estiveram responsáveis pelas mentorias, a empresária artística e produtora cultural, Ana Paula Paulino; o coordenador comercial e artístico na Altafonte Music Rights, Fernando Dourado; a empreendedora, pesquisadora e atualmente sócio-proprietária da produtora Zeferina Produções, Ciça Pereira; o fundador do primeiro banco digital para selos, gravadoras e distribuidoras, noodle, Igor Bonatto; a gerente de A&R da Altafonte Brasil, Julie Steffanine; o A&R da União Brasileira de Compositores (UBC), Miguel Toscano; e a CEO da Jangada Comunicação, Marina Mattoso. 

Uma das artistas que compôs o arranjo do edital, Natalhão, 27, nascida em São Gonçalo e criada no Parque União, conta que a forma como começou sua carreira a prejudicou nessas questões de saber como realmente funciona o mercado da música. “O meu primeiro som que alcançou um número no mercado (“Palavra Poderosa”, com MV Bill): entrei em um contrato e toda essa parte burocrática ficava por conta da empresa e tinha muita coisa que eu não sabia sobre o mercado da música, sobre o mercado fonográfico, direito da composição e marketing digital. Acho que todas as formações que tivemos acrescentaram bastante na minha forma de ver o mercado. Agora, eu tenho a oportunidade de tomar as rédeas da minha carreira como artista independente”, conta a rapper, que cresceu ouvindo outros gêneros de música, como o forró, por influência de seus pais nordestinos que se conheceram nesse meio. Ao conhecer o hip hop pela batalha de rima, se tornar uma artista rapper da Maré virou seu maior sonho.

Todos os artistas também tiveram a oportunidade de se filiarem à UBC para lançarem seus singles, conectando-os com todo o processo de lançamento de uma autoria em plataformas de streaming. De acordo com Miguel Toscano, a UBC é uma das sete sociedades de gestão coletiva que existem hoje atuando no Brasil e a mais antiga do país (fez 80 anos em 2022). “Para que um artista possa receber os direitos pelas obras (que são as composições) ou pelos fonogramas (as gravações), ela ou ele precisam estar associados a uma das sociedades. Se a música tocar em algum lugar que faça pagamento ao Ecad e não existir filiação ou os cadastros das obras e fonogramas, os valores ficam retidos por até cinco anos no sistema do Ecad. Importante reforçar que a UBC não faz registros de músicas. Nesse caso, é sempre indicado buscar instituições como a Biblioteca Nacional ou a Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), para quem é do Rio”, descreve. 

“Foi incrível ter aulas na Maré com diversos entendedores do ramo musical. O profissionalismo de conteúdo com a co.liga [durante as aulas on-line] me possibilitou aprender sobre marketing musical e a montar um estúdio em casa. Foi incrível estar na UBC, me registrei como filiada e tive um ótimo lançamento. O selo Dobra e a Altafonte foram incríveis. Ótimo ter lançado com essa tropa maravilhosa uma música que tenho muito orgulho de ter criado e produzido com axé e força. E a chance de cantar na Maré é sempre incrível!”, expressa Preta QueenB Rull, 23, do Parque União, que começou seu trabalho no meio artístico a partir do Grupo Pantera de teatro, na Maré, como ator e drag queen.

 

Larinhx e Natalhão em estúdio da Audio Rebel. Foto: Douglas Lopes

 

 

De acordo com a “Análise de Mercado da Música no Brasil - relatório de 2020/2021” da Associação Brasileira da Música Independente (ABMI), os artistas independentes representavam 45,74% do Top 200 diários do Spotify em 2020. Ao mesmo tempo, artistas e compositores começaram a dar mais atenção à cadeira produtiva da música gravada, no sentido de compreender seu complexo funcionamento para maximizar a geração de renda.

 

Kamy Mona na gravação do single e clipe com a produtora musical Larinhx, no estúdio Audio Rebel: “Sempre almejei o artístico mesmo sem ter muito claro o que queria, mas sempre era num show, num vídeo de performance das artistas que eu gosto que meus olhos brilhavam e eu imaginava aquilo como a melhor sensação do mundo!”. Foto: Douglas Lopes

 

 

“Foi uma grande alegria saber que fui uma das contempladas do edital. Ele veio num momento muito vulnerável meu quanto artista, porque sonhar e se manter na arte é pirar todo dia pensando em que passo dar e como. Então, escrevi essa música que, para mim, simboliza minhas ansiedades enquanto artista, ao mesmo tempo que tento me manter calma, forte e motivada a continuar”, diz Kamy Mona, 27, nascida e criada na Nova Holanda, sobre seu single “Me Garanto”.

A artista Evy, 22, nascida e criada na Cidade de Deus, e moradora da Maré, compartilha dos mesmos sentimentos: "Todo artista independente tem o sonho de brilhar, só aparecer a oportunidade. Apareceu, e nós agarramos. Eu procuro me especializar e estudar sempre um pouco de cada coisa porque nós, negros, periféricos e independentes, temos que saber em tudo que estamos nos ‘metendo’. De fato, muita gente subestima nosso conhecimento. As aulas foram um complemento importante aos meus estudos e cursos sobre música e negócios”.

 

Danilo, Chinaina e Willian, do No Lance, na gravação do programa Caça Joia em novembro de 2022. “O Edital nos agregou muito em conhecimento para gestão e direcionamento da nossa carreira musical, pois No Lance vem de uma década que quase não se fala de internet e hoje esse mercado digital é uma realidade”, reflete Nil, um dos integrantes do grupo. Foto: Douglas Lopes

 

O que ainda está por vir?

A partir do dia 9 de junho, às 21h15, o Caça Joia, programa do Canal Futura, lançará sua edição especial com os todos os oito artistas que passaram pelo edital. As entrevistas vão contar sobre suas trajetórias, o single gravado e muito mais. O programa tem como foco a cena de música independente e é produzido pelo cantor e compositor Chinaina - com produção da Pedra Onze e direção de Pamella Gachido - por meio de uma pesquisa de jovens talentos e artistas independentes que ainda não estão nas distribuidoras e gravadoras, trazendo-os para o estúdio distribuindo seus clipes e fazendo um bate-papo sobre suas carreiras. Todos os episódios do Caça Joia Maré de Música também estarão disponíveis no Globoplay a partir do dia 9 de junho.

Veja as datas de exibição:

Evy - “Edredom Azul” - cantora nasceu na Cidade de Deus, mas se estabeleceu na Maré, e vem despontando como revelação (9 de junho)

Kamy Mona - “Me Garanto” - compositora, atriz e trancista, moradora da Nova Holanda, no Conjunto de Favelas da Maré (16 de junho)

Guthierry - “Ela Me Disse” - ator, cantor, compositor e roteirista (23 de junho)

Nizaj - “Tu” - compositor, percussionista e ator, nascido em Angola (30 de junho)

No Lance - “Chega” - Danilo Siqueira, da banda de pagode é o entrevistado do dia (7 de julho)

Natalhão - “Fora da Rota” - ativista cultural, cantora e compositora que circula pelo Rap, Drill e R&B (14 de julho)

Agona - “O Duplo” - banda de metal extremo, formada em 2005, que se destaca pela abordagem de suas letras, em português (21 de julho)

Preta QueenB Rull - “Acredite No Seu Axé” - cantora, atriz e modelo Preta QueenB Rull, cria do Conjunto de Favelas da Maré que se lançou como cantora de Funk (28 de julho)

Sobre a Mostra Maré de Música

A Mostra Maré de Música acontece desde 2019 no Conjunto de Favelas da Maré e é um projeto que visa criar conexões musicais potentes e oferecê-las ao público, com uma qualidade garantida por uma equipe competente, atenta e apaixonada pela arte. A conexão se dá através de shows que unem sempre um artista independente e um artista já consagrado, realizados no Centro de Artes da Maré. Já passaram pelo palco da Mostra artistas como Mart’nália, Teresa Cristina, Mariana Aydar e Rubel. Conheça mais sobre o projeto e acompanhe as próximas edições aqui.

Stay tuned! Sign up for our newsletter