return
A luta pela moradia é coletiva

Julia Bruce

Foi a partir de uma formação viabilizada a quatro jovens moradores da Maré e universitários sobre direito à cidade e moradia e a recuperação do histórico das ocupações das 16 favelas da Maré que a cartilha “Direito à Moradia na Maré” foi construída. De forma coletiva, ela foi lançada no Galpão RITMA - Rede de Inovação Tecnológica da Maré, no dia 10 de agosto, e apresentada aos moradores da Favela da Galinha e do Tijolinho (Nova Holanda), por meio de uma mobilização territorial no momento entre os participantes. Esta nova iniciativa do eixo Direitos Urbanos e Socioambientais, da Redes da Maré, busca refletir sobre os direitos sociais, especialmente o direito à moradia no contexto da região.

 

Da esquerda para a direita: Francine Helfreich, professora da Escola de Serviço Social da Universidade Federal Fluminense (UFF), Edson Diniz, ex-diretor da Redes da Maré, Pablo Benetti, presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Rio de Janeiro e Flávio Teixeira, representando a Secretária Municipal de Habitação do Rio de Janeiro. Foto: Patrick Marinho

 

 

Cerca de 80 pessoas, entre tecedores, jovens dos projetos Ecoclima e Respira Maré, equipe da pesquisa Vacina Maré, entre outros, tiveram a oportunidade de conhecer melhor sobre o que é o direito à moradia, sobretudo em regiões de favelas na cidade. “Muitos dos nossos temas vêm da demanda de moradores, como a temática do direito à moradia que é discutida pelo Fórum das Associações de Moradores desde sua criação em 2009. Temas como a regularização fundiária e processos de intervenções marcaram a história da construção do que é o Conjunto de Favelas da Maré hoje. E no decorrer do nosso trabalho, já vimos muitos moradores chegarem à Redes da Maré avisando que as suas casas estavam a ponto de desabarem e vieram recorrer à ajuda. Vimos que precisávamos fazer uma produção de conhecimento sobre o direito à moradia, construir um processo coletivo e entender como o estado vai possibilitar isso”, explica a coordenadora do eixo, Shyrlei Rosendo.

 

A formação do projeto Direito à Moradia na Maré foi iniciada em abril de 2023 com duração de oito meses. Quatro jovens estão recebendo aulas teóricas sobre cidade, direito à moradia, legislação, saneamento básico, a lógica capitalista do atual sistema, entre outras temáticas, além de cine debates sobre educação e fotografia popular, discussão de textos e pesquisa sobre a urbanização da Maré. Em estudo de dados realizado pelos alunos, o Índice de Desenvolvimento Humano e Municipal (IDHM) da Maré é de 0,722 comparado ao da Gávea, bairro localizado na zona sul do Rio de Janeiro (0,970). O acesso à moradia na Maré é de 79,19% e na Gávea, de 95,84%, já em relação à água e saneamento básico, na Maré é de 93,1% e na Gávea, 98,93%. A coleta de lixo na Maré é de 87,18% e na Gávea de 100%.

 

Mobilização realizada em grupos pela Nova Holanda com a entrega da cartilha “Direito à Moradia na Maré” após as mesas de debates. Foto: Patrick Marinho

 

“A produção da nossa cartilha é anticapital, porque o que a gente produz aqui não é o que geralmente é produzido sobre habitação. Nós que estamos na favela, também somos parte da cidade e queremos efetivar nossos direitos. Aqui, o policial invade nossa casa como quer, a água invade com as fortes chuvas, temos problemas com infiltrações, entre tantas outras violações em que o poder público precisa estar presente. A produção desta cartilha me deixa muito feliz porque estou conseguindo reverter algo para a nossa comunidade e transmitir conhecimentos para familiares e amigos”, comenta o estudante de Serviço Social Arthur Beserra, 20, um dos jovens da formação.

 

Arthur Beserra na roda de conversa para partilha de experiências após a ação de mobilização. Foto: Patrick Marinho

 

 

A coordenadora do projeto Direito à Moradia na Maré, da Redes da Maré, Fefa Frias, que vem realizando essas formações com os jovens, reforça que “o direito à moradia não é só a casa, como também a infraestrutura - questões sobre assentamentos, o direito a ter uma rede de esgoto que funcione de qualidade, ter transporte, energia elétrica -, além do acesso a serviços públicos, como a saúde, educação e o lazer”.

Em roda de conversa após a saída para a entrega das cartilhas aos mareenses, foi observado que o modo como a informação é produzida e a comunicação é feita vem influenciando no entendimento dos conteúdos pelos moradores. Um dos desafios é como comunicar, porque se não houver compreensão da população, não há como garantir direitos. Outro ponto importante foi em relação a ausência do verdadeiro conceito de habitabilidade que vem atingindo os moradores de uma forma invisível, pois a cartilha mostra que eles também precisam ter direitos a equipamentos de cultura, a praças, acesso à cidade, assim como o direito ao saneamento básico, água filtrada, etc. "Os moradores ficaram surpresos com a temática, ainda mais, tomaram uma consciência de direitos que até então pensavam que eram favores e elogiaram muito a objetividade do conteúdo e clareza da linguagem da cartilha", conta o mobilizador e pesquisador do eixo Direitos Urbanos e Socioambientais, Maurício Dutra, e coordenador do projeto Direito à Moradia junto a Fefa Frias.

 

Um breve histórico da construção da Maré

A história começa em 1920 quando o Porto e a Praia de Inhaúma eram uma boa localização para a pesca e muitos moradores começaram a habitar em volta. Na década de 1940, as palafitas - barracos de madeiras erguidos acima da água - começaram a aparecer, além do aterro da Ilha do Fundão, com a instalação da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ao longo dos anos, os moradores aterraram outros espaços e novas favelas se formaram. Em 1980, com um projeto de intervenção, foram impostos conjuntos habitacionais e as palafitas foram removidas parcialmente, e integralmente com o passar do tempo. Na década seguinte, começou-se a se revelar como as precariedades atingem a população, com o impacto das grandes chuvas e, em consequência, acidentes, por exemplo, retirando também as casas de alvenaria e provocando a criação de mais programas de intervenção com a criação de mais conjuntos habitacionais.

 

O que é regularização fundiária e urbanística e como ela garante o direito à moradia?

Ela consiste em um conjunto de ações jurídicas e urbanísticas que visam regularizar a ocupação de um imóvel, garantindo que ele seja reconhecido pelas autoridades como propriedade das pessoas que ali vivem, garantindo a segurança da posse da terra e a infraestrutura necessária para os moradores da área, através da urbanização. 

A falta de acesso a serviços públicos, infraestrutura urbana, a possibilidade de despejo e a impossibilidade de financiamentos para melhorias na moradia são problemas que podem ser resolvidos pela regularização fundiária e urbanística. 

 

Toda pessoa tem o direito de ter um lugar seguro, adequado e digno para viver. O direito à moradia é um direito social e está inscrito na Constituição Federal de 1988 e afirmado pelo Estatuto da Cidade.

 

Cartilha Direito À Moradia Na Mare

Stay tuned! Sign up for our newsletter