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Lidiane Malanquini

A rua é uma sala de aula

Por Jéssica Pires e Julia Bruce


Esta é a coluna Quem Tece a Redes, um compilado das histórias de pessoas que constroem a nossa organização e que tecem todos os dias o que fazemos de melhor: ações e projetos para moradores da Maré. Conheça aqui essas histórias, trajetórias, experiências e a própria história da Redes da Maré - e como esse trabalho e os desafios enfrentados a partir da pandemia os têm transformado.

Lidiane Malanquini é cria do Cachambi, bairro da Zona Norte do Rio de Janeiro. Mas grande parte de sua trajetória profissional foi formada em territórios de favelas, como no Conjunto de Favelas da Maré. Aqui, essa relação começou por meio de uma articulação comunitária com os polos de saúde, no setor de mediação de conflitos. Algum tempo depois, ela já estava fazendo parte da pesquisa sobre a cena de uso de drogas da rua Flávia Farnese, região bem próxima à Av Brasil. A partir desse seu olhar que tem a rua como um cenário importante, ela conta como a mudança vem desse espaço.


Quando estava na época do vestibular, não sabia muito bem o que eu queria fazer, mas queria mudar o mundo. Entrei para Serviço Social, fui entendendo que a revolução ia ser demorada e me perguntei: o que dá para fazer aqui?”. Lidiane conta que sentia que as pessoas ao seu redor eram muito parecidas, faziam tudo sempre igual, e esse incômodo e seu apreço pelas diversidades e inquietações a levaram a lugares que não imaginaria.

Ao fazer o ensino médio numa instituição pública, a Escola Técnica Estadual Adolpho Bloch, em um território diferente e com estudantes de várias regiões da cidade, ela aprendeu a circular e entendeu a importância da diversidade que até seus 15 anos não tinha experimentado.

Além da participação no grêmio estudantil do colégio, Lidiane começou a estudar Produção Cultural e Comunicação Comunitária no Viva Rio: “tudo isso me provocou a discutir tópicos a partir das favelas e das periferias do Rio de Janeiro. Fui criando meu percurso na universidade, me conecto com o tema de segurança pública, onde fui monitora de um curso para policiais dentro dos batalhões, depois atuei como técnica, assistente de coordenação, coordenadora de projeto, fazia pesquisa no período de ocupação da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), sempre na área da escuta dos policiais”. Com o passar do tempo, ela foi compreendendo que a colaboração para esse contexto da segurança pública poderia ser mais potente se aplicasse o repertório teórico e técnico em ações com os moradores dos territórios no cotidiano das ruas, influenciando mais tarde a construção do eixo Direito à Segurança Pública e Acesso à Justiça. Lidiane é graduada, mestra e doutoranda em Serviço Social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

Foi em 2010 que Lidiane teve o primeiro contato com a Redes da Maré, através da 1ª Conferência Livre de Segurança Pública na Maré, no lugar de uma estudante de segurança pública que queria entender mais profundamente o contexto mareense. O eixo Segurança Pública foi criado no mesmo período, mas não havia uma equipe fixa, mas tecedores de diversos setores da Redes que estavam entendendo demandas do território e pensando ações do eixo.

No final de 2014, recebeu o convite para ser pesquisadora de campo da cena de uso de drogas da Flávia Farnese, cujo projeto se transformou no livro “Meu nome não é cracudo: a cena aberta de consumo de drogas da rua Flávia Farnese, na Maré, Rio de Janeiro” (2016), quando participou de atividades com os usuários, como cineclubes, trabalhou com o uso abusivo de drogas, entre outras atividades na rua. “Fui me aproximando, até por ser meu tema de estudo e me provocar muito. Fui coordenadora de campo da pesquisa  ‘A Ocupação da Maré Pelo Exército Brasileiro’. Em 2015, aconteceu uma ocupação militarizada das forças armadas na Maré e Eliana [Sousa Silva] me pediu para ir com ela. Foi quando tive o primeiro contato com a ideia de operações policiais e com os plantões que o eixo de Segurança Pública fazia. Comecei a participar deles e pensei o quanto aquilo era potente, mas que precisava ser sistematizado e os atendimentos precisavam de continuidade e acompanhamento. Foi a partir dos plantões que organizamos e sistematizamos o projeto Maré de Direitos e o De Olho na Maré. O que reacendeu em mim foi que a mudança existiria a partir das favelas e perceber quanto o protagonismo dos moradores de favelas em reagir às violências é fundamental para mudar essa realidade.

Lidiane reforça que para além do espaço institucional, a rua é um lugar fundamental para desmistificar preconceitos. Ela costuma falar que os “crias” da Redes contribuíram com seu processo de formação, por dominarem o processo histórico da Maré, e questiona: “como os nossos saberes que vêm de trajetórias distintas se encontram e conseguimos construir a Redes?”.

O olhar amplo para as demandas da Maré está na essência do trabalho da organização, assim como na trajetória de tantas tecedoras e tecedores. Após 7 anos atuando no eixo de Segurança Pública, Lidiane acolheu, no início de 2022, dois importantes desafios. Agora, é articuladora em incidência política, uma das metodologias de trabalho da Redes da Maré, em que se produz conhecimento, ações concretas e mobiliza os moradores para incidir em políticas públicas e mudar a forma como o estado atua. Além disso, ela também coordena a Lona Cultural Municipal Herbert Vianna, equipamento da Secretaria Municipal de Cultura. “A Lona é a rua, é um lugar que me provoca a pensar em ideias para a valorização desse espaço. O sentido de estar na Lona é pensar a divisa como um espaço de vida e refletir, a partir de um equipamento público, sobre que política de cultura a Maré quer para além de oferecer serviços.” Que a rua continue a provocar, mobilizar e conduzir invenções coletivas e pessoais na Redes da Maré e em todas e todos que a tecem!

 

 



 

Rio de Janeiro, 30 de abril de 2022.

 

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