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O que celebrar nos trinta anos do Bairro Maré?

Edson Diniz

Há trinta anos, o Conjunto de Favelas da Maré foi reconhecido como um “bairro oficial” do Rio de Janeiro, de acordo com a lei 2119, de 1994. Naquele momento, a cidade passava por uma onda de intervenções e programas urbanísticos de médio e grande porte realizados pela prefeitura, cujos objetivos iam desde urbanizar algumas favelas até remover outras.

A transformação da Maré em bairro, embora realizada sem a devida consulta aos moradores, foi importante, porque afastou de vez o risco de remoção que pairava sobre o território desde o final dos anos de 1970, quando aconteceu o Projeto Rio . No entanto, passados trinta anos desde criação do bairro, percebemos que ainda falta muito para que as condições de vida sejam próximas da realidade de outros bairros da cidade, sobretudo, daqueles localizados nas áreas mais ricas da cidade.

De acordo com o Índice de Progresso Social (IPS) , desenvolvido pelo Instituto Pereira Passos (IPP), a Maré ocupa a 119a posição dentre os 158 bairros da cidade. Seus indicadores sociais estão abaixo da maioria dos outros bairros, o que significa menor qualidade de vida e menos bem-estar para os moradores. Algumas questões importantes ainda merecem muita atenção, entre elas, talvez a da segurança pública seja a mais evidente.

É visível a falta de uma política de segurança que garanta a vida e os direitos dos moradores da Maré, e das favelas de uma maneira geral. Na verdade, o Estado se omite ou causa mais violência ao criminalizar os mais pobres e seus territórios, tratando-os, muitas vezes, como inimigos da cidade. Os efeitos da violência são visíveis: alto índice de homicídios, escolas e postos de saúde fechados, paralisia do comércio e trabalhadores sem poder sair de casa durante os confrontos armados, além do aumento de doenças por estresse traumático.

Outro exemplo de dificuldade enfrentada pelos moradores diz respeito às condições climáticas e ambientais. A Maré é um dos locais mais quentes da cidade, pois além da

 

Foto © Douglas Lopes @dougloppes

o Projeto Rio foi elaborado, em 1979, pelo governo militar para retirar a população da Maré. No lugar seriam construídos conjuntos habitacionais de classe média, uma rodovia, e industrias. Devido a resistência e organização dos moradores, houve uma reorganização e apenas as palafitas foram removidas.

Índice de Progresso Social, desenvolvido pelo Instituto Pereira Passos (IPP), mede o desenvolvimento a partir de três parâmetros: necessidades humanas básicas, fundamentos do bem-estar e oportunidades.


baixa cobertura vegetal – a única área verde é o Parque Ecológico – fica localizada entre as três grandes vias rodoviárias da cidade , por onde transitam milhares de carros por dia, o que aumenta ainda mais a poluição e o calor. Durante o verão, as temperaturas ficam insuportáveis, e é justamente neste período, com o aumento do consumo, que ocorrem as quedas de energia elétrica. Elas podem durar dias seguidos, deixando os moradores às escuras, causando prejuízos de toda ordem.

Porém, a Maré é muito mais do que esses problemas. Seus moradores nunca ficaram esperando passivamente pelas melhorias ou acreditando que elas cairiam do céu. Muito pelo contrário! Mesmo antes da lei de 1994, os 140 mil habitantes da Maré sempre se mobilizaram em prol de melhores condições de saúde, lazer, trabalho, segurança e cultura. Não por acaso, existem mais de cem organizações sociais dentro do território, tais como: Associações de Moradores, Igrejas, ONGs, Coletivos Culturais e um amplo e variado comércio.

A vida na Maré é dinâmica e fruto de muita mobilização comunitária. Se hoje funcionam 50 escolas públicas, 10 postos de saúde, alguns equipamentos culturais e espaços de lazer, é porque os moradores se organizaram para cobrar do poder público seus direitos. Aliás, uma tradição dos territórios populares, como as favelas, é justamente a luta pelo direito de serem reconhecidos como parte fundamental da cidade.

Essa é a imagem que precisa ser celebrada neste dia 19 de janeiro de 2024, a de uma Maré diversa, dinâmica e mobilizada, independentemente do título de bairro. Uma Maré que afirma sua presença e contribui para a cidade, com seu povo trabalhador, criativo, e que mesmo diante das adversidades - não podemos nos esquecer delas - mantém a fé na possibilidade de uma vida melhor, mais justa e digna.

Viva a Maré! Viva os moradores da Maré!

Avenida Brasil, Linha Amarela e Linha Vermelha

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