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Seminário Vacina Maré: o que alcançamos e para onde vamos?

Julia Bruce

“Quando houver necessidades, em situações de emergência, é fundamental que sejam previstas políticas sociais necessárias para apoiar ações. Esse caso da Maré [Conexão Saúde e a campanha Vacina Maré] é um exemplo”, afirmou a presidente da Fiocruz, Nísia Trindade, em um grupo de trabalho, a convite do Ministério das Relações Exteriores, para a elaboração de um tratado internacional sobre pandemias, da Organização Mundial da Saúde (OMS). A declaração, compartilhada durante o ‘Seminário Vacina Maré - Olhares sobre a Covid em favelas: ciência, participação e saúde pública’, realizado na última quinta-feira (18/08), na Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), retrata a importância da experiência que está sendo conduzida na Maré desde o início da pandemia. 

O evento foi organizado pela Fundação e pela Redes da Maré e contou com a participação de cerca de 100 pessoas, entre elas, representantes da Redes da Maré, da Secretaria Municipal de Saúde e da Fiocruz, pesquisadores nacionais e internacionais, parceiros, financiadores, moradores, profissionais de saúde e articuladores territoriais da pesquisa Vacina Maré. O Seminário teve transmissão ao vivo e pode ser assistido no Canal da Fiocruz no YouTube.

Durante a programação, foram apresentados os estudos que fazem parte da pesquisa Vacina Maré, realizados desde o ano passado com cerca de 6.500 moradores da Maré, e os resultados parciais alcançados até o momento. 

 

Como os estudos de coorte da Maré estão sendo feitos? 

Os estudos de coorte têm como característica principal o acompanhamento de um grupo de pessoas por determinado período de tempo para investigar diversos fatores. Esse tipo de análise leva meses ou até anos para ser formada, mas a urgência da pandemia fez com que a coorte da Maré fosse desenhada em tempo recorde, durante a organização da campanha #VacinaMaré, que em julho de 2021 imunizou cerca de 36 mil moradores adultos com pelo menos uma dose da vacina quatro dias.. Atualmente, 93,4% da população mareense está imunizada com pelo menos duas doses da vacina contra a Covid-19.

Naquele momento, foram criadas duas grandes linhas de pesquisa (“Desenho de Teste Negativo”, para entender a efetividade da vacina nos moradores, e o “Estudo de Coorte”). O coordenador da pesquisa Vacina Maré e pesquisador da Fiocruz, Fernando Bozza, salientou que “a coorte é dinâmica: as pessoas mudam de endereço, optam por não participar mais, acham que já acabou…" E jogou a questão: "Como garantimos o prosseguimento dos estudos da coorte por um período longo? Como engajamos os moradores, mostramos os resultados e apresentamos com clareza para os participantes o que está sendo feito?".

 

Mapa da Maré com a divisão dos participantes da coorte por favelas desde o início do estudo, em 2021. Foto: Reprodução/Pesquisa Vacina Maré


 

Entre o total de mareenses acompanhados, essa coorte também acabou sendo dividida em dois grupos: vacinados contra a covid-19 e sobreviventes da doença, que são envolvidos em diferentes etapas, como: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, cadastro no Dados do Bem e o Teste Sorológico (Unidade de Apoio ao Diagnóstico da Covid-19 - Unadig/Fiocruz). “Estamos nos apropriando de uma técnica, desenvolvida pela Unadig, da Fiocruz, que possibilita fazer o estudo sorológico em condições bastante adversas, abrindo uma possibilidade muito grande de pesquisas em territórios reais", contou Bozza. Novidades e conteúdos sobre o avanço de todo esse proceso de pesquisa estão sendo incluídos no novo site Pesquisa Vacina Maré, lançado no Seminário.

 

Durante a pesquisa, é feita a aplicação de questionários que levantam informações para além da covid-19, como a utilização e acesso a serviços de saúde, existência de comorbidades, situação da saúde mental e dados sociodemográficos dos moradores. 

“A pandemia afetou mais jovens e mulheres e não há diferença na saúde mental entre as regiões do Brasil. Em um mesmo grupo analisado, foi identificado que mulheres sofrem mais depressão e ansiedade, e não houve uma diferença de classes sociais ao longo do tempo”, comentou o pesquisador Ron Fischer, do Instituto D'Or de Pesquisa e Ensino da Nova Zelândia (“D'Or Institute for Research and Education” - NZ/IDOR), em última mesa temática do Seminário, sobre as consequências de longo prazo da Covid-19.

 

 

Pandemia acentuou iniquidades 

No seminário foram apresentados ainda os resultados publicados no artigo “A atenção primária protege populações vulneráveis da iniquidade na vacinação COVID-19: Uma análise ecológica de dados nacionais do Brasil” (“Primary healthcare protects vulnerable populations from inequity in covid-19 vaccination: na ecological analysis of Nationwide data from Brazil”), publicado na revista científica The Lancet Regional Health - Americas. 

No estudo, os pesquisadores analisaram a estratégia de vacinação no Brasil comparando a cobertura vacinal após seis meses no início da vacinação entre os municípios. Os municípios com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixo apresentaram uma cobertura vacinal menor do que os de IDH médio ou alto. Por outro lado, a presença da Saúde da Família e o alcance da Atenção Primária foram determinantes para garantir uma maior cobertura vacinal, mostrando que os investimentos em saúde pública são fundamentais para diminuir desigualdades históricas existentes no país. 

 

Coleta de sangue para a pesquisa Vacina Maré em Clínica da Família da Maré


 

Na origem tanto da campanha #Vacina Maré, realizada em 2021, quanto da pesquisa Vacina Maré, em andamento no território, está o projeto Conexão Saúde - que desenvolveu um modelo integrado de mobilização, comunicação, vigilância e atenção em saúde com gestão compartilhada entre os diferentes parceiros. Da utilização de novas tecnologias, como a criação do aplicativo Dados do Bem, ao uso do teste sorológico desenvolvido pela Unadig - que ampliou a capacidade nacional do processamento de amostras para a detecção da covid-19 de forma automatizada e mais rápida - várias inovações foram implementadas ao longo do projeto. 


“Cerca de 30% dos moradores da Maré não têm cobertura de sinal de celular, mas buscamos entender as dinâmicas do território e encontrar soluções mesmo em uma situação adversa", lembrou Fernando Bozza. 

Dentre os resultados do Conexão Saúde, foram citadas o aumento da detecção de casos a partir da testagem em massa, a redução da taxa de letalidade por covid-19 entre os moradores da Maré, a alta capacidade de mobilização a partir de estratégias de comunicação e engajamento e a parceria com as unidades básicas de saúde. “Estamos mostrando que é possível fazer ciência, com inovação e engajamento, dentro da favela. E quero salientar o papel fundamental da Redes da Maré, que conhece o território e sabe como fazer o trabalho de campo, mobilizar, comunicar com o morador”, disse.

Durante a vigência do projeto, entre julho de 2020 a março de 2022, o Conexão Saúde apresentou alguns resultados, como:

  • Queda de 89% na taxa de letalidade* na Maré (*número de óbitos entre pessoas infectadas)
  • Quando comparada às favelas da Rocinha, Cidade de Deus e Mangueira (que, juntas, têm características demográficas e sociais semelhantes a Maré), a diminuição do número de óbitos na Maré foi de 62% enquanto nas demais favelas este percentual foi de 27% (*número de óbitos por 100 mil habitantes)

 

Todos esses e outros resultados da experiência do Conexão Saúde podem ser acessados na publicação: “Maré e Manguinhos: uma experiência de inovação e mobilização em saúde durante a pandemia”, lançado durante o Seminário.

 

Só no período de setembro de 2020 a abril de 2021, o Conexão Saúde foi responsável pela notificação de 97% dos casos no município para a Secretaria de Saúde; 98% das pessoas acompanhadas afirmaram que os insumos oferecidos garantiram o isolamento domiciliar seguro; e o projeto reduziu 48% das taxas de óbitos notificados por semana na Maré, de acordo com a engenheira e pesquisadora Amanda Batista (PUC-Rio).


 

“A gente precisa, de fato, pensar que um dos legados dessa experiência é essa continuidade, a possibilidade de aprofundar projetos, como é o caso da pesquisa Vacina Maré, que estará presente no território por pelo menos mais dois anos. Para isso, é preciso reconhecer a potência das parcerias, o papel da sociedade civil e o protagonismo das organizações locais”, avalia a fundadora e uma das diretoras da Redes da Maré, Eliana Sousa Silva. 

 

Foto © Douglas Lopes

 

Foto topo: © Douglas Lopes

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