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Ministra negra no STF: por que sim?

A pergunta que enuncia esta nota diz muito sobre o Brasil que vivemos. Um tempo no qual ainda há um clamor significativo por parte de certos segmentos da sociedade que se erguem para deixar as coisas como sempre estiveram. É categórico que o enfrentamento das desigualdades, em muitos âmbitos, no país, crucialmente passará por definições que têm a ver com decisões a serem tomadas por dirigentes que se encontram em posições de poder.

Quando nos vemos diante da possibilidade de escolha pelo presidente Lula para um novo representante no Supremo Tribunal Federal, a instância maior do poder judiciário brasileiro, nos indagamos o que nós, uma instituição de base comunitária, que tem uma atuação de longa data no conjunto de 16 favelas da Maré, no Rio de Janeiro, temos a ver com isso.

Como um movimento que se constitui, historicamente, no questionamento às formas e ao tratamento que o Estado dá aos moradores de favelas, entendemos e lutamos pelo necessário reconhecimento dos seus direitos, pelo desenvolvimento de políticas públicas que reconheçam esses direitos e, também, por diminuir a violência que faz parte do descaso sobre quem são e como vivem essas populações.

Nesse processo, as lutas pela equidade de gênero e de raça e por políticas públicas mais justas sempre fizeram parte das nossas escolhas de atuação, como questões basilares do nosso trabalho. A luta por entender e atuar nas condicionantes que estruturam a desigualdade em torno dos direitos das mulheres de favelas, majoritariamente racializadas como negras e indígenas, nos faz buscar formas concretas de diminuir o processo de violência que as atinge. Por isso, nos sentimos comprometidos institucionalmente com a busca por maior equidade de gênero e raça em espaços de poder como o STF.

Segundo o IBGE, as mulheres negras representam 28% da população brasileira. Os números sobre a representatividade negra na Justiça apresentados na Pesquisa sobre Negros e Negras no Poder Judiciário, elaborada em 2019 pelo Departamento de Pesquisas Judiciárias do CNJ, deixam evidente a ausência das mulheres negras em cargos no Poder Judiciário, espaço profundamente estratégico para a agenda de justica social no país: na magistratura, o total de negros e negras é de 18,1% de todos os cargos. E desse total, menos de 6% são mulheres.

A Gênero e Número, associação que produz informação orientada por dados e análises sobre questões urgentes de gênero e raça, apresentou dados sobre os 170 ministros que já atuaram no órgão: somente três eram negros, e desde sua criação, o STF teve suas cadeiras ocupadas 95% do tempo por homens brancos, 2,4% por mulheres brancas e 2,7% por homens negros. Em mais de um século de existência, o Supremo Tribunal Federal (STF) nunca teve uma ministra negra em sua composição. Ao elencar os dois marcadores de raça e gênero para a ocupação de um espaço de poder de tamanha relevância, para além da representatividade que retrata a maioria da população brasileira, este feito incide diretamente sobre a dívida histórica que este país tem com essa população sistematicamente oprimida ao longo dos anos.

Aumentar a participação das mulheres requer medidas como cotas de gênero em diferentes instâncias de poder, incentivos à formação política feminina e combate à violência política de gênero. É fundamental que todas as pessoas reconheçam a importância das contribuições de mulheres na política e trabalhem para garantir que elas tenham voz e poder decisório em todos os níveis de governo e de poder.

A diversidade é uma prática indiscutível para a consolidação da democracia numa sociedade que respeita e compreende suas raízes, e é isso que nos permite sonhar com um futuro com menos desigualdade social. Nesse sentido, nos posicionamos não apenas porque acreditamos na diversidade, sobretudo nos espaços de poder e tomada de decisão, mas também, porque queremos uma reparação histórica efetiva e concreta para grupos sociais estruturalmente subalternizados e sistematicamente alijados de seus direitos. Reparação histórica efetiva que passa, ainda, pelo reconhecimento das competências e capacidades de mulheres negras a ocuparem esses espaços de poder e comprometidas com uma agenda de justiça social.

Nesse sentido, apoiamos e compartilhamos aqui a campanha Ministra Negra Já!, lançada pelo movimento Mulheres Negras Decidem, na qual uma lista tríplice está sendo proposta: a juíza carioca Adriana Cruz, a promotora baiana Lívia Sant’Anna Vaz e a advogada gaúcha Soraia Mendes.

Seguindo, então, o pedido de determinados setores da sociedade que demandam por democracia racial e igualdade de gênero, a Associação Redes de Desenvolvimento da Maré, faz coro e invoca a escolha de uma Ministra Negra para o Supremo Tribunal Federal.

Assim nos posicionamos em favor das moradoras e dos moradores das favelas da Maré e de todas as favelas e periferias desse Brasil, em uma atitude anti-racista, anti-colonial, anti-sexista e democrática na luta por direitos, construindo coletivamente um país diverso e justo.

 

Redes da Maré

Rio de Janeiro, 18 de setembro de 2023

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