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Matheus Affonso

A construção de uma comunicação visual como ferramenta de resistência

Por Jéssica Pires e Julia Bruce


Esta é a coluna Quem Tece a Redes, um compilado das histórias de pessoas que constroem a nossa organização e que tecem todos os dias o que fazemos de melhor: ações e projetos para moradores da Maré. Conheça aqui essas histórias, trajetórias, experiências e a própria história da Redes da Maré - e como esse trabalho e os desafios enfrentados a partir da pandemia os têm transformado.

O multiartista Matheus Affonso (25), nascido e criado na Nova Holanda, uma das 16 favelas da Maré, iniciou sua trajetória no mundo das artes através de cursos de desenhos da Redes da Maré em 2008 e hoje é responsável por grande parte da construção imagética do jornal Maré de Notícias. Um dos marcos em sua história foi participar de grupos de teatro locais, como o Teatro Comunidades e o grupo ATIRO, momento em que começou a se afirmar como LGBTQIA+.


“Eu tinha medo de fazer fotojornalismo, porque não gostava de fazer foto cotidiana, e isso tem relação com o meu corpo afeminado. Entrei no Maré de Notícias e consegui perceber que o fotojornalismo vai além de fotografar apenas violência. O que eu fotografo é de um particular meu, e traz essa sensação de que estou falando sobre algum corpo, sobre mim”, conta Matheus Affonso, ao ser perguntado sobre o que representa construir imagens sobre a Maré em um jornal local. A transformação social pode ser fomentada pela produção visual de diversos fotógrafos que, na visão de Matheus, levam as pessoas para um outro contexto de reflexão. “Hoje, eu consigo fazer uma intervenção performática com uma drag queen na Feira da Teixeira Ribeiro, e mesmo existindo uma tensão, ninguém vai vir agredir ou silenciar", diz.

A aproximação com a fotografia aconteceu a partir de uma prima que foi aluna de uma das primeiras turmas da Escola de Fotógrafos Populares, do Observatório de Favelas, até então coordenada pelo fotógrafo documentarista João Roberto Ripper. Este ano, Matheus ingressou na nova turma da escola, que leva o nome do grande fotógrafo Bira Carvalho.

Seu processo de formação, porém, teve início em 2008, quando ingressou no curso de desenho com a professora Suelen, onde ficou por oito anos. Em 2012, entrou para o Teatro Comunidades, onde atuou por 3 anos, e em seguida, para a Oficina de Teatro na CIA Marginal (hoje, grupo ATIRO). Ele fez parte de todos os cursos preparatórios do eixo Educação, da Redes, e também da Escola de Cinema Olhares da Maré (ECOM). Em 2014, com a bolsa do grupo Marear de Teatro do Oprimido comprou sua primeira câmera fotográfica. Em seguida, fez um curso Técnico em Comunicação Visual, iniciando seu primeiro contato com a área e, após sua formatura, já começou a trabalhar com os grupos de teatro chegando, primeiramente, em alguns equipamentos da Redes (Lona Cultural da Maré e Centro de Artes da Maré) como designer gráfico, produzindo peças para os projetos e eventos.

Matheus já trabalhou com o Grupo Conexão G de Cidadania LGBT de Favelas e começou a produzir projetos independentes sobre ativismo LGBT, como o Projeto Eeer em 2018 - editoriais fotográficos e intervenções performáticas na rua; o FAVELAMONA em 2019 - ensaios de mulheres negras na Maré; e o Entidade Maré em 2020 - projeto de escrita territorial da população LGBTQIA+, lançado na 10° Parada LGBTQIA+ da Maré (que aconteceu on-line e foi produzida pelo fotógrafo). “Foi quando começamos a entrar no estudo sobre a Noite das Estrelas, que eram shows que aconteciam na Maré na década de 1980 e 1990 promovidos por travestis e transsexuais. Havia desfiles, concursos de miss, apresentação de dublagem. Começamos a fazer alguns projetos de audiovisual sobre isso”, relata Matheus.

Apesar de ter conhecido algumas dessas histórias somente mais velho e ter crescido com contextos negativos de corpos LGBT, hoje Matheus fala com felicidade que mora com seu namorado e frequenta a casa de sua família: “era algo muito distante. Quando pequeno, eu falava que não poderia ser um LGBT. São muitas violências que atravessam a gente, mas não são elas que nos definem. Hoje, vivo um movimento de luta e de resistência que me define muito mais que aquilo. Sou um LGBT que ama, cuida, acolhe, é família. Sou um LGBT. Ser LGBTQIA+ na favela é se acolher, e é isso que conseguimos construir hoje”.

Em junho de 2021, Matheus Affonso, acompanhado do jornalista Dinho Costa, escreveu uma matéria sobre iniciativas LGBTQIA+ que incentivam a produção por meio da diversidade na Maré: Movimentos culturais LGBTQIA+ da Maré. A partir da escrita do texto, Matheus se colocou em um lugar de pensamento diferente sobre essa população. “Hoje, eu consigo pensar a série Mãe de Favela, com mães de LGBTs, porque em algum lugar ou momento, eu pensei sobre as situações que vivi com a minha mãe dentro da minha casa e também em situações que eu me via na rua e queria que minha mãe estivesse lá. É possível que as mães estejam junto dos corpos LGBT.”

Hoje, além de ser comunicador, produtor audiovisual e fotógrafo no Maré de Notícias, Matheus também é responsável pelo trabalho de programação no projeto Web Stories, do jornal com o Google. Ao acrescentar sobre o que almeja para a Maré, o artista multilinguagem diz que seu grande sonho é que os LGBTQIA+ sejam enxergados enquanto pessoas pertencentes ao território e que estejam cada vez mais potentes. “Que esses corpos consigam alcançar outros espaços e que a Maré seja vista de um outro lugar.

 

 



 

 

 

 

Rio de Janeiro, 28 de maio de 2022.

 

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