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Tábata Lugão

O desenvolvimento a partir do ponto de vista do indivíduo

Por Jéssica Pires e Julia Bruce


Esta é a coluna Quem Tece a Redes, um compilado das histórias de pessoas que constroem a nossa organização e que tecem todos os dias o que fazemos de melhor: ações e projetos para moradores da Maré. Conheça aqui essas histórias, trajetórias, experiências e a própria história da Redes da Maré - e como esse trabalho e os desafios enfrentados a partir da pandemia os têm transformado.

Tábata Lugão (34) nasceu e foi criada em São Gonçalo, município do estado do Rio de Janeiro. É assistente social de formação e coordenadora do projeto ‘Primeira Infância na Maré: acesso a direitos e práticas de cuidado’, desde novembro de 2020. Ao conhecer a Maré em 2017, por meio de um processo seletivo da Redes da Maré, e se tornar tecedora no ano seguinte, ela enxergou experiências que envolviam a mobilização e participação de moradores na própria estrutura da organização. Foi dessa forma que Tábata encontrou seu propósito profissional: trabalhar na mobilização e participação social através da produção de conhecimento.


Um dos primeiros momentos em que Tábata começou a olhar criticamente para a dificuldade no acesso aos direitos de diversos grupos foi quando tinha 16 anos, no seu primeiro trabalho com projeto social na região de São Gonçalo, época em que estava prestando vestibular. Ela tinha interesse em graduações diversas, como Psicologia, e tentou entrar até para o curso de Biologia na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), mas sua trajetória e conexão com projetos sociais desde sua infância a levou para o caminho do Serviço Social, passando na primeira classificação da Universidade Federal Fluminense (UFF), em 2005. Tábata se questionava sobre o ciclo de dificuldades enfrentadas pelas camadas populares: “muitas pessoas têm dificuldade de acessar trabalho por falta de formação. Mas, ao mesmo tempo, enquanto elas não acessam o dinheiro, não conseguem ter facilidade para obter a formação necessária”.

Desde sempre, Tábata esteve envolvida em atividades sociais. "Sempre ficou claro para mim e para a minha família a diferença em nossas vidas o fato de ter acesso a grupos e atividades. Foi muito importante para eu me formar como cidadã, entender questões e ter um suporte”, destaca. Estudou em escola pública durante todo o ensino regular, em São Gonçalo, e quando chegou o período do vestibular, relata que na sua turma não havia ninguém tentando entrar para uma faculdade, pois não tinham motivação. “Eu tinha motivação por estar nesses projetos, e as pessoas com quem eu conversava eram adultos ou profissionais, principalmente do Serviço Social.

A tecedora teve a primeira experiência com territórios de favela quando começou o estágio em um Centro de Referência da Assistência Social (CRAS), na favela Vila Ipiranga, em Niterói. Em seguida, teve vontade de atuar no campo da saúde, onde trabalhou no setor de acolhimento da emergência do Hospital Universitário Antônio Pedro, da UFF. Mas foi próximo à sua formatura que experimentou um diálogo mais profundo com moradores de São Gonçalo durante uma reforma de abastecimento de água do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), do Governo Federal. “Fazíamos um trabalho de cadastramento e conversa com as famílias sobre o que estava acontecendo, além de atividades de educação ambiental nas escolas públicas”, explica.

Após se formar, a assistente social trabalhou com outros projetos de propostas parecidas e em outras favelas do Rio, somando mais de 10 anos de trabalho lidando com organizações comunitárias. Ao chegar numa organização sem fins lucrativos, na primeira experiência como pesquisadora do projeto Morar Carioca, se viu no que mais gosta de fazer: mobilização e participação social através da produção de conhecimento. A pesquisa tinha a proposta de construção coletiva desse projeto urbanístico junto com os moradores do território. “Trabalhei em projetos com a perspectiva de participação social – como todos podem ter o que querem, como querem e como acreditam que devem ser os seus espaços? Que equipamentos existem e quais faltam naquela favela? Como melhorar a qualidade de vida das pessoas a partir do ponto de vista delas?”, demonstra a assistente social.

Ao chegar na Redes da Maré em 2018, por meio de um processo seletivo para Redutora de Danos do Espaço Normal, Tábata começou a ter contato com as cenas de uso de drogas, como a da rua Flávia Farnese. Também participou dos plantões de atendimento do projeto Maré de Direitos, do eixo Segurança Pública. “Me envolvi muito com todas as ações da Redes, apesar de pouco tempo. Depois, fui morar no Parque União, e fiquei nesse intercâmbio entre Maré e São Gonçalo, criando conexões com o território e as pessoas que atuam nele”. Durante a pandemia, fez parte da campanha ‘Maré diz NÃO ao coronavírus’, onde realizou avaliações das entrevistas socioeconômicas, visitas domiciliares, além de atendimento remoto das famílias dos preparatórios da Redes, em parceria com o eixo Educação.

No início de novembro de 2020, foi convidada para participar do projeto ‘Primeira Infância', que ainda estava sendo consolidado. “Fiquei entre novembro e janeiro de 2021 escrevendo o projeto de pesquisa, estudando sobre como seria possível efetivar outras ações, fazendo reuniões e conversas com outras instituições para pensar o que queríamos. Contratamos uma equipe e colocamos em prática outras ações do projeto a partir do início de 2021”, conta Tábata.

A tecedora afirma que não se pensa em Primeira Infância em quase nenhum outro lugar. “No cotidiano, não se pensa se a criança participa, se ela gosta ou não, se ela está se desenvolvendo naquele ambiente e como o acessa, como ela está se desenvolvendo ali. O projeto entende que as crianças vivenciam de acordo com o que elas acessam. Existem aprendizados no território da Maré que crianças de outros locais não têm. Quando trazemos isso para a Maré é um diferencial, pois acredita-se que em favelas não existe infância, mas ela tem uma riqueza que não estamos conhecendo”, enfatiza.

Tábata comenta que também só entendeu o que era a Primeira Infância quando teve sua primeira filha, Glória (2), e ao estudar sobre o desenvolvimento dessa fase: “Na minha gestação é que comecei a entender a complexidade política – onde a Primeira Infância é vista e incluída na sociedade?

Essa desconstrução de olhar também influenciou a Tábata mãe, hoje grávida de seu segundo filho. Ela reflete que culturalmente e socialmente foi construído que ser mãe é lindo, inspirador, mas que também é um lugar de muitas cobranças: “existe um lugar da mãe que só ela pode fazer aquilo, a gente aprende que é assim. A maternidade me transformou, porque comecei a ver a criança como um ser humano em processo de desenvolvimento, e é desafiador para o adulto, que cresceu aprendendo que tem poder sobre ela. É importante desconstruir isso e pensar que para eu convencê-la de algo, preciso ter um diálogo e levar um conhecimento, e não forçá-la. Isso é muito difícil”. Para concluir a reflexão dessas trajetórias, de Tábata e da Redes da Maré, a assistente social chama a atenção para o papel da organização em promover o acesso a direitos na Maré, para todas e todos, por meio de uma construção coletiva da diversa metodologia da Redes da Maré, sobretudo por meio da produção de conhecimento.

 

 



 

 

 

Rio de Janeiro, 26 de maio de 2022.

 

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