voltar
Everton Pereira

Reconhecendo Lugares

Por Julia Bruce


Esta é a coluna Quem Tece a Redes, um compilado das histórias de pessoas que constroem a nossa organização e que tecem todos os dias o que fazemos de melhor: ações e projetos para moradores da Maré. Conheça aqui essas histórias, trajetórias, experiências e a própria história da Redes da Maré - e como esse trabalho e os desafios enfrentados a partir da pandemia os têm transformado.

Everton Pereira (35) nasceu e cresceu no Parque União, antes mesmo de saber que era morador da Maré. O reconhecimento do próprio território e tantos outros encontros individuais e coletivos aconteceram durante o curso pré-vestibular da Redes da Maré. Por conta de toda a influência política no território, seu avô, Manoel Pereira da Silva, conhecido como “Manoel da Luz” e que ganhou nome de rua, foi inspiração para sua trajetória até aqui. Everton é formado em Geografia pela UFRJ, participou como agente de campo do Censo de Empreendimentos (2011), como coordenador de campo do Censo Populacional da Maré (2012), é professor do CPV da Redes desde 2012 e atual coordenador do projeto Conexão Saúde.


Pertencer ao território desde pequeno foi significativo na vida de Everton. As primeiras lembranças e sentimentos que vêm à cabeça se resumem nas “memórias de rua”. Ele lembra como eram os espaços na Maré durante sua infância: “A rua era vazia, não tinha carro circulando como tem hoje, e costumo citar isso nas minhas aulas de geografia quando falamos sobre o crescimento econômico do Brasil e como isso se reflete na favela. Meu avô tinha um bar grande na Rua Ari Leão, com duas mesas de sinuca, e eu brincava muito na rua, nesse espaço do bar. Não tinha tecnologia, não tinha outra coisa para se fazer a não ser ir para a rua e jogar bola, brincar de pique, bola de gude, pipa, garrafão”, explica.

Todas essas experiências e processos de aprendizagem durante sua trajetória contribuíram para a formação de Everton. Aos 12 anos começou a trabalhar: foi cobrador de van, atuou em laboratório farmacêutico e precisou conciliar trabalho e estudos. Mas chegou um momento na vida em que notou que não sentia mais motivação e queria encontrar uma realização pessoal. Foi quando conheceu o CPV da Redes da Maré por um cartaz colado em um poste e se matriculou no curso. “Eu nem sabia como funcionava o vestibular, era algo inalcançável para mim. Entrei no CPV para conseguir uma bolsa em uma particular em 2009 - o primeiro ano em que as faculdades aderiram ao ENEM como forma de entrada. Eram 45 vagas para o curso de Geografia e depois tinham mais 45 para a prova específica. Passei na minha primeira tentativa para a UFRJ, e nas minhas aulas explico sobre a falta de confiança que vão colocando na gente durante a trajetória escolar”, relembra o tecedor, que reconheceu sua identidade mareense durante o curso, pois via o Parque União como parte de Bonsucesso: “precisava voltar pra cá e retribuir tudo o que fizeram por mim”.

Além de lecionar no CPV desde 2012, ele começou a trabalhar no Censo de Empreendimentos, em 2011, como licenciador e agente de campo, batendo de porta em porta dos comerciantes. Depois, passou pelo Censo Populacional como coordenador de campo, articulando e facilitando os trabalhos para os pesquisadores. “Conseguimos colocar mais de 1.200 crianças para estudar a partir dos dados do Censo Populacional; mapeamos crianças que tinham síndrome de Down para receberem atendimento médico e psicossocial, além de suas famílias. Por meio do Guia de Ruas, achamos os endereços das pessoas e disponibilizamos para os carteiros, porque não existia cartografia de favelas na época”, relata.

Na campanha ‘Maré diz NÃO ao Coronavírus’ chegou como voluntário em maio de 2020 e, em julho, no Conexão Saúde, onde começou a coordenar a frente da testagem e, logo depois, se tornou coordenador geral do projeto com a Luna Arouca. “É impressionante como a pandemia mexe com a cabeça das pessoas, com a nossa vida, com os espaços. Foi um tempo de muito aprendizado”, conta Everton, que espera que todos saiam dessa mais fortalecidos e valorizando atitudes básicas como afeto e contato. Ele complementa que tem sido uma experiência rica para sua formação pessoal: “Coordenamos tudo, desde a gestão de pessoas até fazer tudo funcionar, atender o público, tirar dúvidas. É uma coordenação ampliada no sentido de formação também”.

Dessa forma, ele reflete sobre a própria atuação da Redes nesse contexto de pandemia e resume em transformação. “Passamos a atuar com uma habilidade e uma competência que não vi em nenhuma outra favela, é inédito o que estamos fazendo. Não é somente dar cesta básica, é colocar na universidade, estimular os outros membros da família a entrarem. A Redes conseguiu se transformar e entender: “Qual é a urgência agora?”.

 

 




 

 

Rio de Janeiro, 24 de agosto de 2021.

 

Fique por dentro das ações da Redes da Maré! Assine nossa newsletter!