Por Julia Bruce
Esta é a coluna Quem Tece a Redes, um compilado das histórias de pessoas que constroem a nossa organização e que tecem todos os dias o que fazemos de melhor: ações e projetos para moradores da Maré. Conheça aqui essas histórias, trajetórias, experiências e a própria história da Redes da Maré - e como esse trabalho e os desafios enfrentados a partir da pandemia os têm transformado.
“Eu nunca tinha entrado num território periférico de favelas, apesar de atender moradores da Maré no Hospital do Fundão. Mas para isso eu fui formada: trabalhar dando condições de acesso aos direitos dessa população. Minha primeira memória é do quanto a Maré é receptiva e movimentada”, conta Kelly. Antes de chegar na Redes, a assistente social se dedicou ao trabalho com saúde, atuando com infectologia em clínica médica, e também com educação em saúde nas clínicas da família, com oficinas de escritas de projetos sociais para agentes comunitários de saúde, médicos e enfermeiros.
Quando era criança, ela brincava de professora na garagem de casa, e ensinava português e inglês para sua amiga e primeira aluna. Aos 17 anos, Kelly já sabia o que queria e ingressou no curso de Serviço Social, na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na madrugada que saiu o resultado do vestibular no Diário Oficial, encontrou seu nome na posição 44 das 45 vagas. “Vi meu pai na janela chorando, orgulhoso. Fui a primeira da família que entrou para uma federal. Eu sei o que é esse sentimento de passar para a universidade, sei o que é o sentimento da família ficar feliz e orgulhosa, mas sei também o peso que é essa responsabilidade. Então, hoje eu quero que as pessoas tenham acesso à universidade, mas quero que elas escolham estar lá, que tenham condições de conhecer o que é a universidade”, explica Kelly emocionada.
Ao chegar na coordenação do eixo de Educação da Redes, Kelly conta que a visão é ampliada para 360º, porque agora é responsável pela manutenção e existência de todos os projetos e ações do setor, mas sem esquecer de trazer a família como personagem central. “Não conseguimos pensar na educação de uma criança, jovem ou adulto sem pensar na família, e essa formação do serviço social ajuda muito a ter uma perspectiva mais ampla, na manutenção de todos os espaços, de relatoria, na captação, de relacionamento com parceiros, com o território. Passamos a investir também na produção de conhecimento, com artigos, além de parceria com as 50 escolas da Maré”, descreve Kelly. Desde o início da pandemia, foram realizadas reuniões periódicas com os diretores de cada escola municipal e estadual da Maré, onde eles falavam sobre o que estava acontecendo nas instituições que, posteriormente, receberam projetos da Redes, como a última turma do Conectando, voltada para a educação tecnológica de professores da Maré, além de ações de busca ativa, como a de alunos que estavam em risco de evasão escolar.
Na campanha ‘Maré Diz Não ao Coronavírus’, Kelly ainda lembra que fez o levantamento das pessoas que não tinham internet, procurando dar condições de acesso. Nesse movimento, a equipe conseguiu doação de apostilas, os cursos do eixo de Educação foram se adaptando, e até tutoriais sobre como usar celular foram produzidos.
As ações de desenvolvimento territorial presentes nesse processo de trabalho do Eixo Educação vai ao encontro da missão da Redes da Maré: tecer as redes necessárias para efetivar os direitos da população das 16 favelas da Maré, e Kelly chama a atenção para a visibilidade da organização que vai além da comunidade: “A Redes tem um papel central e significativo em termos das mudanças estruturais que pensamos para a Maré. A gente quer fazer tudo e tudo ao mesmo tempo, queremos segurança alimentar, vacina, educação, porque precisamos de tudo. A Redes é uma peça central, não só na Maré, como na cidade. Temos um alcance de público direto e indireto, temos um processo educativo em que as pessoas vêm de fora para fazer cursos nossos. Me dá medo, porque vamos sempre muito longe!”.
Rio de Janeiro, 21 de setembro de 2021.
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