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E eu ainda não sou uma mulher?

Por Pâmela Carvalho

 

O dia 8 de março é conhecido como o Dia Internacional da Mulher. Data de extrema importância, reconhece os movimentos de luta de mulheres por todo o mundo. As reivindicações por melhores condições de trabalho e direitos políticos como ao voto foram algumas das importantes pautas que marcaram o surgimento e o imaginário que envolve o 8 de Março. Hoje, percebemos que esta luta é importante para mulheres de forma geral, mas entendemos também que ainda há abismos sociais entre mulheres negras e mulheres brancas.

Nos Estados Unidos de 1851 a ativista Sojouner Truth proferiu o discurso que ficou conhecido como E eu não sou uma mulher?:
Aqueles homens ali dizem que as mulheres precisam de ajuda para subir em carruagens, e devem ser carregadas para atravessar valas, e que merecem o melhor lugar onde quer que estejam. Ninguém jamais me ajudou a subir em carruagens, ou a saltar sobre poças de lama, e nunca me ofereceram melhor lugar algum! E não sou uma mulher? Olhem para mim? Olhem para meus braços! Eu arei e plantei, e juntei a colheita nos celeiros, e homem algum poderia estar à minha frente. E não sou uma mulher? Eu poderia trabalhar tanto e comer tanto quanto qualquer homem — desde que eu tivesse oportunidade para isso — e suportar o açoite também! E não sou uma mulher? Eu pari treze filhos e vi a maioria deles ser vendida para a escravidão, e quando eu clamei com a minha dor de mãe, ninguém a não ser Jesus me ouviu! E não sou uma mulher?

Sojouner sentiu na pele os horrores da escravidão; sua fala, endossada por diferentes intelectuais negras por todo o mundo, levanta uma importante questão quando pensamos direitos e mulheridades: qual é a imagem criada quando falamos a palavra “mulher”? As opressões de raça e gênero podem funcionar de maneira sobreposta? Não seriam as mulheres negras, mulheres? Sojouner pode nos ajudar a pensar as condições de vida de mulheres negras no Brasil de 2022?

Autoras não brancas como Grada Kilomba (Memórias da Plantação, 2019) e Gayatri Spivak (Pode o subalterno falar, 2010) pontuam que a voz é instrumento de poder. E, no caso de mulheres negras, o problema não é de ausência de voz. Temos voz. O que falta historicamente são ouvidos que nos ouçam.


Tentando responder a essas questões e ao racismo e machismo de forma geral, uma série de movimentos de mulheres negras emerge no Brasil e no mundo.

Em 1950, Lourdes Vale Nascimento fundou o Conselho Nacional de Mulheres Negras. Na década de 1970, mulheres negras afetadas pela dupla opressão do machismo e do racismo se reuniram para formar o Movimento de Mulheres Negras (MMN). Dentro do Movimento Negro, o papel das mulheres era fundamental, sendo inclusive maioria em grupos como a Frente Negra Brasileira. Nesse contexto, se destacam movimentos como a Cruzada Feminina e as Rosas Negras. Em 1978, foi criada a Reunião de Mulheres Negras Aqualtune (REMUNEA) no Rio de Janeiro, com participação de intelectuais negras como Pedrina de Deus, Irani Maria Pedreira e Azoilda Loretto da Trindade. Idealizado por Lélia Gonzalez e Zezé Motta, nasce o grupo Luiza Mahin em 1980. Em 1986, surge o Centro de Mulheres de Favela e Periferia do Rio de Janeiro (CEMUFP). Em 1987, Elza de Souza funda a Associação das Empregadas Domésticas e, em 1992, nasce o Criola, organização da sociedade civil que atua na promoção dos direitos das mulheres negras. Em 2010, vem à luz na Bahia o Odara Instituto Mulher Negra, que se tornaria um marco da luta feminista negra e tendo como base o legado feminino africano.

São inúmeros os movimentos protagonizados por mulheres negras. Eles reforçam que elas sempre estiveram organizadas, mesmo que, muitas vezes, fossem excluídas dos conceitos hegemônicos do “ser mulher”. Os movimentos de mulheres negras materializam que não somos iguais e que é importante nos encontrarmos nas diferenças. Diversas conquistas ao longo da história foram obtidas a partir destes movimentos que, além de romperem com silêncios criados pelo machismo e pelo racismo, criaram políticas e espaços outros na sociedade. Que todas possamos ser mulheres.

 

Pâmela Carvalho, Ativista das relações raciais e de gênero e dos direitos de populações de favelas. Mestra em Educação pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). É coordenadora do eixo Arte, Cultura, Memórias e Identidades da Redes da Maré e moradora do Parque União.

 

 

Rio de Janeiro, 08 de março de 2022.

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