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4º SEMINÁRIO DE EDUCAÇÃO DA MARÉ: Diálogos e possibilidades para garantia do direito à educação

Adriana Pavlova

A edição de 2023 do seminário vai promover reflexões sobre o atual contexto educacional nas 16 favelas da Maré, que conta com 50 escolas públicas: 46 municipais e quatro estaduais, com cerca de 20 mil estudantes. Durante os dois dias de evento, especialistas de dentro e de fora da Maré vão discutir temáticas ligadas à Educação Básica, questões, desafios e particularidades do ensino e aprendizagem no território. Haverá ainda uma série de oficinas pedagógicas, que vão aprofundar conteúdos como raça e gênero, e segurança pública. Incentivando o diálogo, os participantes das mesas e o público em geral serão convidados a elaborar coletivamente a Carta para a Educação da Maré. O objetivo do documento é oferecer propostas e reivindicações urgentes ao poder público, para a melhoria do ensino e ampliação do direito à educação nas favelas da Maré.

Durante o seminário, também será lançado o livro Toda Menina na Escola: pelo direito à educação na Maré, publicação sobre o projeto de mesmo nome realizado pela Redes da Maré com apoio do Fundo Malala, de abril de 2020 a maio de 2023, para a garantia do acesso e permanência de meninas mareenses, de 5 a 20 anos, na educação formal. Um total de 860 crianças e adolescentes fora da escola ou infrequentes foram identificadas por busca ativa e monitoradas para o retorno à escola. Dessas, hoje 697 (81%) estão matriculadas e frequentam regularmente a escola, enquanto 16 delas (2%) concluíram o Ensino Médio. A principal razão de 64 (7%) meninas estarem fora da escola é a falta de vaga em unidades escolares próximas às suas residências, um problema recorrente na Maré. O projeto também contabilizou 775 meninos, de 5 e 20 anos, que abandonaram a escola ou estavam com frequência abaixo do desejável, e cadastrou 87 adultos com interesse em voltar à escola (77 mulheres e 10 homens, a partir de 21 anos).

Voltando alguns anos, é importante ressaltar como a mobilização territorial foi fundamental para muitas conquistas da educação na Maré. O aumento do número de escolas, por exemplo, aconteceu, sobretudo, na década passada: 25 das atuais 46 escolas municipais foram inauguradas entre 2011 e 2018.  Nada menos que 54% do total. O maior aumento se deu entre 2014 e 2016, com a criação dos dois campi de escolas: Campus Maré I, na favela Nova Holanda, e Campus Maré II, na Salsa e Merengue. Essa ampliação é resultado de políticas públicas educacionais, mas também da mobilização de moradores e instituições locais. Em 2010, o coletivo A Maré que Queremos entregou, para o então prefeito Eduardo Paes, um documento que sistematizava os resultados das discussões e reflexões do conjunto de dirigentes das Associações de Moradores da Maré que, naquele momento, já se reunia há quase um ano para discutir uma proposta conjunta de um projeto estrutural para a região. O documento apresentou propostas para várias áreas, inclusive para educação, cuja demanda era o aumento do número de unidades escolares para Educação Infantil e para Educação de Jovens e Adultos.

Criado em 2009, a partir de uma iniciativa da Redes da Maré para agregar as Associações de Moradores da Maré, o projeto A Maré que Queremos mantém encontros regulares desde então. Em 2018, o grupo entregou um segundo documento com propostas atualizadas para os gestores estaduais e municipais. Em relação à educação, a demanda naquele momento para a rede municipal continuava sendo a construção de escolas em algumas favelas não atendidas por determinados segmentos de ensino e a ampliação de atendimento para Educação Especial e Educação de Jovens e Adultos.

O cenário complexo e desafiador da educação na Maré ganhou ainda mais camadas a partir de 2020, com a pandemia de covid-19.  Durante os quase dois anos de aulas remotas, entre 2020 e 2021, boa parte dos estudantes da Maré sequer conseguiu conexão para dar continuidade aos seus estudos. A pesquisa Educação de meninas e covid-19 no conjunto de Favelas da Maré – primeira etapa do projeto Toda Menina na Escola -  mostrou em 2021 que apenas uma em cada quatro meninas tinha computador em casa, 34,7% tinham internet em suas residências e 61,2% tinham celular com acesso à internet. Apenas 27,7% das meninas e mulheres entrevistadas conseguiram manter uma rotina de cinco dias de estudo em casa, como é previsto no ensino presencial.

Também em 2021, outra pesquisa realizada pela Redes da Maré, desta vez com apoio do Instituto Unibanco, buscou dimensionar de forma ainda mais ampla os prejuízos da pandemia à comunidade escolar da Maré como um todo. Os números do estudo Covid-19 e o acesso à educação nas 16 favelas da Maré: impactos nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio evidenciaram os efeitos dramáticos da pandemia na vida escolar de toda uma geração de estudantes mareenses, mas também dos seus professores e familiares. Entre os dados que mais chamaram a atenção estava a sensação de os estudantes terem perdido dois anos de aprendizagem. Quase três em cada quatro estudantes contaram que aprenderam pouco (48%) ou nada (26%), somando 74% do total. Mais da metade deles − 57% − afirmou que sua vontade de estudar na pandemia diminuiu (33%) ou diminuiu muito (24%). Entre os motivos apontados, estavam a dificuldade de adaptação ao ensino remoto (35%) e problemas de aprendizagem (28%).

A violência da polícia e dos grupos civis armados compromete muito o funcionamento das escolas. As unidades escolares são fechadas regularmente por conta de operações policiais. De acordo com o Boletim Direito à Segurança Pública na Maré, em 2022, foram 15 dias inteiros do ano letivo sem aulas, com o agravante de que 62% das operações policiais aconteceram próximas a escolas e creches, e 67% aconteceram próximo a unidades de saúde; 60% das operações policiais tiveram invasão de domicílio. E este ano, até junho, já aconteceram 13 operações, com nove dias de escolas fechadas. Recuando mais um pouco, foram 20 dias com aulas suspensas em 2016; 35 dias em 2017; 10 dias em 2018; 24 dias em 2019; 8 dias em 2020 e 6 dias em 2021, apesar da pandemia de covid-19. Nem mesmo a conquista histórica da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 635, conhecida como ADPF das Favelas, em 2017, foi capaz de brecar as operações policiais próximas às escolas da Maré. 

Considerando que o ano letivo no Brasil tem 200 dias, os dados denunciam que, em média, nos últimos cinco anos, mais de 15% dos dias letivos podem ser considerados perdidos na Maré, já que não há uma política clara de reposição das aulas alinhada com as demandas objetivas dos alunos de acesso à internet e posse de equipamentos, já que a reposição seria o envio de atividades por grupos de WhatsApp ou uso de aplicativos.

Neste sentido, para contribuir com uma visão mais territorial da situação da educação na Maré junto ao poder público municipal, a partir de 2022, a equipe do projeto Toda Menina na Escola se uniu com o Conselho Tutelar da região na realização de reuniões mensais com membros da Gerência de Supervisão e Matrículas, da 4ª CRE. Os encontros, que se estenderam até 2023, tinham como objetivo a discussão dos casos de crianças ainda fora da escola, buscando soluções conjuntas para os problemas estruturantes, que ainda permitem que crianças e adolescentes em idade de educação obrigatória estejam sem estudar. Até o mês de abril de 2023, foram realizadas 11 reuniões, sempre com a pauta de criar estratégias para a ampliação de ofertas de vagas, reafirmando o histórico trabalho de incidência política realizado pela Redes desde a sua fundação. A experiência do trabalho da Redes da Maré, no campo, mostra que existem fatores extraescolares, mas que características intraescolares também são fundamentais para a retenção do estudante na escola. Não se trata apenas de acesso e permanência. Mas acesso, permanência e oferta de um processo de ensino e aprendizagem que faça o estudante se sentir instigado e com vontade de voltar para a escola no dia seguinte.

Finalmente, o objetivo da Carta para a Educação da Maré é reunir todas essas complexas questões, com propostas, sugestões e reivindicações para o poder público. Tudo para a melhoria e a ampliação do direito à educação nas favelas da Maré.

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