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Casa das Mulheres amplia espaço às jovens da Maré

Adriana Pavlova

A casa no Parque União que nos últimos anos se tornou o porto seguro para as mulheres de toda a Maré chega ao seu sexto ano de atividades abrindo as portas para acolher fortemente as adolescentes da favela. Ao festejar seus seis anos de vida neste mês, a Casa das Mulheres da Maré, equipamento da Redes da Maré, comemora também o Dia Internacional da Menina em 11 de outubro ao ampliar sua atuação junto às jovens da região, com uma programação regular especialmente dedicada às mulheres com menos de 21 anos. A grande estrela da temporada pensada para elas é a Terça em casa, guiada por uma equipe antenada e vibrante. São encontros que acontecem às terças-feiras à tarde, das 15h às 18h, com jogos, cinema com debate, passeios e experiências artísticas.

A programação para meninas na Casa das Mulheres responde a uma demanda surgida durante a pandemia, quando o espaço passou a receber um número maior de jovens para o atendimento psicossocial, um dos projetos centrais que acontecem ali. Como uma das missões da Casa é propor respostas coletivas a demandas individuais, a solução foi buscar atividades em grupo formatadas para atrair adolescentes de todas as comunidades. Na prática, desde 2021, a direção foi testando diferentes formatos até chegar à ideia da Terça em casa, com uma programação instigante e variada, incluindo passeios dentro e fora da Maré, e, sobretudo, muita conversa.

“A pandemia deixou as meninas sem qualquer espaço de socialização. Não tinha escola e muitas vezes elas sequer tinham um quarto em suas casas para ser um momento mais particular. Daí o aumento da procura por nosso plantão psicossocial e a nossa percepção que era hora de agir no sentido de uma resposta coletiva”, explica Julia Leal, uma das coordenadoras da Casa das Mulheres.

 

O ato do acolhimento

E o acolhimento às meninas começa logo pela equipe formada por jovens que falam a mesma língua da turma participante. À frente das Terças em casa está Stefany Silva, multiartista cria da Maré, que nos últimos anos passou por diferentes projetos da Redes, na própria Casa das Mulheres, inclusive a formação para jovens do festival Wow, o Laboratório Artístico. Com o tempo, ela mesma começou a conduzir experiências com adolescentes, testando diferentes formatos e chegando a este com a programação variada, que começou efetivamente em maio passado.

“Os projetos são artísticos mas há sempre a preocupação de estimular a autonomia das jovens, trabalhar a individualidade de cada uma mas também o pertencimento junto ao território”, conta Stefany, assumindo o aspecto experimental no processo junto às adolescentes. “É um trabalho em transformação, que segue a metodologia da própria Redes, de ir percebendo a demanda e ir melhorando. É um espaço que pensa na questão qualitativa, sendo atravessado por temáticas raciais e territoriais, além de ter foco na saúde mental delas.”

 

Sobre a programação

No dia em que a reportagem participou da Terça em casa, a programação foi dedicada ao cinema. As meninas e equipe se encontram no que chamam de “casinha”, que nada mais é do que um anexo recém-aberto da Casa das Mulheres, com uma das entradas pela Rua Darcy Vargas (conhecida como Rua do Valão). Foram as próprias participantes que escolheram o filme do dia, Soul, uma animação da Disney-Pixar, a partir de três opções. Houve pipoca e suco durante a sessão, e uma conversa em roda no final, para que todas pudessem refletir juntas sobre o filme, que trata da história de um professor de música do Ensino Médio apaixonado por jazz, cuja vida não foi exatamente como ele sonhava. Joe, o personagem principal, tem a chance de viajar para uma outra dimensão e, ali, ao ajudar uma criatura a encontrar sua paixão, também acorda para outros sentidos de sua vida.

Nesse dia, a roda de conversa final contou também com a participação de Sabine Passareli, terapeuta ocupacional, residente do Instituto de Psiquiatria (IPUB) da UFRJ, que chegou para reforçar a equipe. Além dela e de Stefany, o grupo se completa com Myllenne Fortunato, assistente de coordenação, e as articuladoras Brenda Vitória e Andressa Dionísio. Hoje, cerca de 35 cinco jovens já passaram pelas Terças em Casa e cada encontro tem uma média de três a oito participantes. “A melhor resposta que recebemos é que a maioria volta. Nem todas vêm todas as semanas, mas elas têm voltado sempre”, diz a articuladora Brenda, moradora do Salsa e Merengue. “Oferecemos propostas diferentes para elas irem se reconhecendo mais em uma ou em outra.”

Para a estudante Vitória Cristina Lima Carvalhães, de 20 anos, moradora da Nova Holanda, a Terça em casa tem sido um espaço de relaxamento. Tanto que no dia da sessão do filme Soul, ela levou a irmã mais nova, Maria Eduarda, para participar do encontro e tentar animá-la, porque estava meio tristonha em casa: “Aqui me sinto aberta para conversar, porque somos só nós, garotas, e cada uma vai trocando experiências e opiniões. Num ambiente em que tem homem não me sinto à vontade para falar de mim”, diz Vitória, que é estudante do Ciep Professor Cesar Pernetta.

Os ganhos parecem, de fato, serem amplos. A Terça em casa também apresentou à Vitória uma parte da Maré nunca antes explorada por ela: o Parque Ecológico, na Vila dos Pinheiros. “Eu nunca tinha ido à mata (como os moradores costumam chamar o parque), foi uma descoberta, porque é muito agradável, um lugar bem bom para ir com a família. E ali, com as outras meninas, fizemos uma experiência com novos sabores, para descobrir outras sensações”, lembra Vitória.

A ida ao Parque Ecológico foi um dos passeios realizados pelo grupo nos últimos meses, numa proposta de circulação pelo território da Maré, porque, como se viu no caso da Vitória, nem sempre as moradoras conhecem outras favelas do complexo. Também respondendo a um pedido das jovens, houve um passeio ao Museu de Arte do Rio, para visitarem a exposição Crônicas cariocas, e aos jardins do Museu da República. Outra visita que está sendo agendada é à exposição Um defeito de cor, também no MAR, cuja temática é assumidamente racial. “O corpo favelado precisa transitar”, pontua Stefany, sobre as saídas dentro e fora da Maré.

Da mesma forma, nos dias das ações artísticas as atividades não são fixas. Já houve trabalho de silk, com tinta e tecido, a partir de questões relativas ao ciclo menstrual e à pobreza menstrual, e colagens respondendo à pergunta “o que é ser mulher na Maré?”. Outra atividade partiu de textos de Carolina Maria de Jesus, para tratar do protagonismo das mulheres na Maré, e assim propor o que Stefany chama de “escrita automática”, que é deixar as palavras ou frases virem a partir de sensações.

 

Maréas também faz parte do Terça em casa

Mas um dos destaques da programação são, sem dúvida, os jogos. Há jogos tradicionais, como Uno e xadrez, e também toda uma variedade de opções mais modernas, de jogos brasileiros que estimulam diferentes habilidades das participantes, como criatividade, atenção, trabalho motor e até mesmo raciocínio matemático. A tarde de jogos da Casa das Mulheres se transformou em algo tão forte por lá que o grupo acaba de criar um jogo próprio de cartas, chamado de Crônicas Maréas, que é ambientado na Maré, levantando questões sobre sexualidade e reprodução. E, como o nome anuncia, trata-se de um projeto ligado ao canal de WhatsApp “Maréas” - Frente de Direitos Sexuais e Reprodutivos da Casa das Mulheres. Para acessar o canal, basta enviar uma mensagem para o Whatsapp da Redes da Maré (21) 99924-6462 e digitar 5.

As ações do Maréas para adolescentes vêm se desdobrando em palestras e encontros nas escolas de Ensino Médio da Maré, com jogos e conversas sobre sexualidade, e na Clínica da Família Américo Veloso, com distribuição de absorventes e roda de conversa. Outra ação que a Casa pretende retomar em breve, devido à grande procura no ano passado, são palestras sobre saúde sexual e reprodutiva, seguidas de encaminhamentos para colocação de DIU. Finalmente, outro projeto que deve ter continuidade nos próximos meses são as aulas de formação manicure para jovens, que este ano já aconteceram em duas edições.

As portas do Terça em casa estão abertas para jovens da Maré, que tenham até 21 anos. Não é preciso inscrição prévia. É só chegar e aproveitar.

 

Outras atividades oferecidas pela Casa das Mulheres


As atividades e acolhimentos da Casa se encaixam em diferentes frentes de trabalho: qualificação profissional (com os projetos Maré de Sabores e Maré de Belezas), Frente de Direitos Sexuais e Reprodutivos (canal de atendimento no WhatsApp - “Maréas” - para acolher mulheres em situação de violação de direitos sexuais e reprodutivos com orientações, e atendimento sociojurídico e psicológico para mulheres na Maré.

Horário de funcionamento da Casa: 9h às 21h, de segunda a sexta

Plantões de atendimento sociojurídico e psicológico: de 9 às 13h, aos sábados, com a distribuição de 10 senhas para o atendimento sociojurídico e 6 senhas para o atendimento psicossocial.

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