voltar
Encontro Pesquisa Vacina Maré: A população mareense no centro da saúde pública

Julia Bruce

Pensar no Conjunto de Favelas da Maré como um território sustentável e saudável, elaborar um laboratório colaborativo de inovação em saúde na região, criações sendo dirigidas pelos próprios moradores, crença na vacina contra a covid-19, recuperação do orgulho em trabalhar com a saúde pública e do pertencimento ao território, legado. Esses foram alguns dos destaques e motivações dialogados no Encontro Pesquisa Vacina Maré: Celebrando conquistas com o olhar no futuro, no dia 26 de setembro, no Centro de Artes da Maré, realizado pelo eixo Direito à Saúde da Redes da Maré.

A equipe da Pesquisa Vacina Maré, representantes do Ministério da Saúde, da Coordenação da Atenção Primária 3.1, tiveram a oportunidade de revisitar a experiência desde a mobilização para a campanha de vacinação em massa, até agora, em que a pesquisa chega a seu terceiro ciclo de coleta, compartilhando seus grandes feitos e o que está por vir.

 

Participantes da Pesquisa Vacina Maré. Foto: Douglas Lopes

 

“Experiências como essas colocam a população no centro da saúde pública e das ações. Temos que propagandear essas ações positivas para influenciar a criação de outras, que é possível fazer outras ações como essa em outras comunidades e territórios periféricos. Mostramos o lado positivo para fora, por exemplo, com a produção de conhecimento, a produção da vida, e vemos o quanto somos reconhecidos, nacional e internacionalmente”, afirma um dos coordenadores do eixo Direito à Saúde, Everton Pereira, ao relembrar a grande integração e parceria do Sistema Único de Saúde (SUS) com a sociedade civil.

De outubro de 2021 a janeiro de 2022, período logo após a vacinação em massa,  nenhum caso de morte por covid-19 foi registrado nas 16 favelas da Maré. Dados da 44ª edição do Boletim Conexão Saúde - De olho no corona, mostra que o projeto Conexão Saúde foi responsável pela redução da taxa de letalidade de 89% em todas a Maré. “Foram mais de 240 pontos de vacinação. Mais de mil profissionais (médicos, enfermeiros, técnicos) vieram para ajudar voluntariamente. A Maré era o lugar mais procurado para a vacinação e moradores de outros territórios vieram se vacinar. As pessoas começaram a chegar na fila 6h da manhã, com receio de acabar os estoques. Vejo que houve uma recuperação do orgulho de trabalhar com saúde pública e do próprio pertencimento ao território”, relata o Coordenador Geral de Atenção Primária na Área de Planejamento 3.1., Thiago Wendel. 

Das 2.722 pessoas que  seguem sendo acompanhadas hoje pela Pesquisa Vacina Maré, 91% tomaram a terceira dose da vacina e 94% contaram que estariam dispostas a tomar uma nova vacina. Todas as crianças participantes tomaram todas as doses de reforço.

 

Da esquerda para a direita: Valcler Rangel, assessor especial para Territórios do Ministério da Saúde, Everton Pereira, coordenador do eixo Direito à Saúde, Thiago Wendel, Coordenador Geral do CAP 3.1 e Luna Arouca, coordenadora do eixo Direito à Saúde. Foto: Douglas Lopes

 

O perfil desse atual grupo da pesquisa é formado pela maior parte de mulheres com mais de 60 anos, pardas e moradoras da Vila dos Pinheiros e Nova Holanda. Entre as doenças e comorbidades apuradas, estão a hipertensão e diabetes. O público mais jovem relatava ter mais asma e diferentes tipos de alergias. A cada ciclo da pesquisa novas perguntas foram sendo adicionadas, ampliando o escopo. O questionário também apresentou questões sobre o acesso à atenção primária, a relação entre saúde e meio ambiente, como a falta de saneamento básico, a qualidade do ar, a poluição sonora e interna -, além do impacto da violência armada na saúde. Muitos reclamaram de como a poluição atmosférica afetava demais a saúde, assim como a insegurança decorrente de operações policiais e confrontos armados. A falta de saneamento básico tem provocado um aumento de insetos e roedores que podem desencadear uma série de problemas de saúde.

A repercussão na comunidade científica da Pesquisa Vacina Maré tem sido cada vez mais global: 4 artigors foram publicados em revistas internacionais de alto impacto (Gates Open Research, Clinical Microbiolody and Infection e BMJ Global Health). 3 artigos também foram apresentados em congressos científicos nacionais (São Paulo/SP, Foz do Iguaçu/PR e São José dos Campos/PR) e  1 resumo apresentado em congresso intenacional, na Cidade do Cabo, na África do Sul.

 

Sobre o CoLabMaré: Laboratório Colaborativo para a Construção de Territórios Urbanos Sustentáveis e Saudáveis

O centro de inovação tecnológica tem como propósito unir a saúde, a tecnologia e a sustentabilidade em um dos maiores territórios de favelas do Brasil, o Conjunto de Favelas da Maré, e será realizada pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Redes da Maré, a Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e a Pontifícia Universidade Católica (PUC-Rio). Este projeto irá integrar a rede internacional Knowledge For People Alliances (K4P Alliances), que tem como meta estimular a colaboração institucional para a promoção da concretização dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (Agenda 2030 da ONU) e foca na criação de territórios sustentáveis e saudáveis, na América Latina e na África, dando prioridade à agência humana, por meio de pesquisas e práticas sociais inovadoras.

O CoLab Maré se estrutura com pesquisa e tecnologia, formação continuada e qualificação profissional, metodologias participativas e articulação com redes públicas e privadas, e formulação de políticas públicas sintonizadas com os territórios singulares que compõem as diferentes regiões e realidades brasileiras. Entre os impactos esperados, estão a construção de respostas rápidas e locais para contenção de novas crises sanitárias, e a geração de um ecossistema local para a melhoria da qualidade de vida das populações em estado de vulnerabilidade.

“A sociedade é capaz de dar respostas, tem muito conhecimento sobre como fazer diferentes ações concretas e efetivas. Meu olhar como pesquisador mudou a partir do Vacina Maré e temos que nos fazer as seguintes perguntas: para quem fazemos a pesquisa? Quais são os principais problemas? Quais são as necessidades? O que a gente precisa fazer para ter impacto? E como garantir uma permanência, que ações podemos sustentar? A partir disso, nossa pesquisa já começa a ter impacto. O impacto de mudar o futuro é o nosso compromisso com o projeto do ColabMaré”, explica o pesquisador da Fiocruz e coordenador da Pesquisa Vacina Maré, Fernando Bozza.

 

Pesquisador da Fiocruz e Coordenador da Pesquisa Vacina Maré, Fernando Bozza. Foto: Douglas Lopes

 

A construção de territórios sustentáveis e saudáveis exige que a perspectiva da saúde ampliada esteja atenta à promoção de equidade e de sustentabilidade e articule determinantes sociais com determinantes digitais da saúde. O direito a uma vida saudável e segura é o resultado da interação de forças estruturais complexas e pressupõe não apenas o acesso a serviços de saúde, mas também à educação de qualidade e ao trabalho, ao lazer e à cultura, à segurança alimentar e ao saneamento básico, a condições de moradia digna e a políticas de segurança pública protetivas e democráticas.

“Este encontro marca a finalização da etapa de desenvolvimento do projeto - e estamos no momento de captação de recursos para ir para a próxima etapa, de estruturação e desenvolvimento de atividades. Esse primeiro momento tem a previsão de cinco anos, dividido em implementação, consolidação, ampliação e replicação. De 2020 a 2023, conseguimos estruturar projetos em saúde no território da Maré durante a pandemia, a partir do Conexão Saúde, da campanha Vacina Maré e das Coortes da Maré, por meio da Pesquisa Vacina Maré”, comenta Bozza.

 

Quem faz parte da Pesquisa Vacina Maré

 

A Maré é rica em conhecimento e foi muito beneficiada. Pessoas vinham de fora pra fazer o teste sorológico e até se vacinarem. Atuei nas testagens na Ritma durante o Conexão Saúde e nas Clínicas da Família durante a campanha Vacina Maré. Ao mesmo tempo, havia muita fake news sobre a vacina, a nossa comunicação precisava ser mais fortalecida. Conscientizamos as pessoas a se vacinarem. Trouxemos soluções. Através do teste sorológico, os moradores estavam vendo o crescimento de defesas em seu organismo e isso ajudou muito a enfrentar essas mentiras e boatos. Esse resultado trouxe uma confiança também para eles continuarem no Ciclo 2 da Pesquisa Vacina Maré. Além disso, realizamos um processo de escuta em cada visita que fazíamos. Muitos moradores começaram a desabafar sobre o que estava acontecendo com eles, seja um problema de depressão ou desemprego, por exemplo. 

Igor, técnico de enfermagem na Pesquisa Vacina Maré, nasceu e cresceu na Maré

 

 

Meu trabalho já era na rua como agente de saúde, há 16 anos. E no Vacina Maré, levamos a vacina para a rua para poder impactar mais. A vacina é pra salvar e não pra matar. A vacina ajuda e continua ajudando. Esse processo da vacinação também impactou a saúde mental. Revertermos muitas vezes situações em conversas, diálogos. Muitos casos estão aumentando hoje e as pessoas se trancam, mas e como fica a saúde mental?

Maria da Glória, técnica de enfermagem Clínica da Família Adib Jatene e na Pesquisa Vacina Maré

 

 

A covid-19 foi difícil para todos, principalmente para aqueles que perderam seus parentes em pouco tempo. Eu perdi um tio numa semana e uma tia na outra. Participar da Pesquisa Vacina Maré foi um divisor de águas na minha vida. Conhecemos diversas pessoas diariamente nas clínicas, mas fomos reconhecidos e valorizados enquanto profissionais das Clínicas da Família e das Unidades Básicas de Saúde (UBS).

Daniele, técnica de enfermagem na Pesquisa Vacina Maré e agente comunitária da Clínica da Família Jeremias Moraes da Silva

 

 

 

Muitas vezes, há falta de recursos e falta do direito à informação. Saber que temos uma pesquisa onde vai a fundo, onde vai trazer informação, acolhimento e, principalmente, respeito, carinho e superar traumas, foi super importante. A saúde na Maré já tinha um acolhimento, não só a da covid-19 naquele momento. Já morei em Pernambuco, São Paulo, Brasília, mas percebi que a Maré promove acolhimento. Após a primeira dose, as pessoas se abriram para tomar a segunda. Foi um dos impactos mais relevantes.

Roxana, pernambucana e moradora da Maré há 6 anos

 

Fique por dentro das ações da Redes da Maré! Assine nossa newsletter!