Em 04 de novembro de 2021, dia o qual é celebrado o Dia da Favela, crianças e adolescentes de algumas escolas da região da Maré foram surpreendidos com um forte tiroteio. Acuados em salas de aula e espaços administrativos das escolas, professores, direção e estudantes ficaram no meio de um confronto armado produzido pelo enfrentamento de dois grupos armados que atuam na região da Maré.
Chamamos atenção para o fato inaceitável do terror que se instalou e do quanto o processo de trabalho das escolas foi interrompido com muitos danos materiais, mas, principalmente, com o sofrimento e adoecimento das pessoas que estavam presentes no momento do confronto. Um jovem de 20 anos, que frequentava a biblioteca Lima Barreto, organizada pela Redes da Maré, foi atingido por um disparo de arma de fogo em frente a uma das escolas onde o tiroteio ocorreu. É muito triste pensar que funcionários dessas escolas tiveram que lavar o sangue da calçada das instituições de ensino antes que os alunos saíssem e tivessem que pisar num chão que testemunhava o que havia ocorrido. Sem dúvida, um fato que explicita o auge da banalidade da violência.
Foram muitas as situações críticas, de medo, relatadas pelos profissionais das escolas : um aluno se trancou no armário da professora, repetindo por vezes que não queria morrer, a correria de ter de juntar as crianças e ficarem deitados por um tempo com medo da bala atingir um deles e o pensamento sobre como sair da escola depois do ocorrido, dentre outras questões. São cenas como essas que expressam o medo vivenciado no dia a dia por moradores de favelas, e fazem com que muitas pessoas julguem não ser possível mudar esse contexto. É um sentimento de impotência compartilhado pela população de modo geral, mas também, pelos profissionais que atuam nos diferentes equipamentos públicos como Escolas e Clínicas da Família, por exemplo.
Por isso, é necessário uma reflexão profunda sobre o que precisamos fazer, coletivamente, para mudar as situações de violências e violações de direitos que ocorrem no conjunto de favelas da Maré. Temos de refletir sobre o processo que gerou chegar ao ponto em que estamos. Entender que o sofrimento das populações de favelas ocorrido em decorrência da violência bélica tem origem na negligência histórica estabelecida para esses moradores da cidade.
As condições de controle e coação instauradas por diferentes grupos armados revelam uma realidade de insegurança para os moradores das favelas, de modo geral, e revelam certa naturalização da violência por parte dos governantes e, ainda, de moradores de outras regiões da cidade. Isso pode ser constatado pelo fato de ações da polícia nas 16 favelas da Maré, por exemplo, que deveriam proteger a população local, costumam deixar um rastro de violência ainda maior, com um modo de agir muito diferente do que realizam em outros espaços da cidade. Além disso, a ocorrência de confrontos bélicos entre grupos criminosos armados na dimensão que se dá diz muito sobre como o aparato da segurança pública tem tratado e operado junto a essas redes.
A perplexidade diante do fenômeno da violência armada alcança dois pontos distintos: o primeiro momento é aquele da revolta diante da inércia e ineficiência do Estado em prover a segurança pública; o segundo, de crítica ao nos depararmos com a possibilidade de que a inércia do poder público não é apenas ineficiência, mas omissão por interesse oficioso de manter um contexto que sustenta suas ações fora, obviamente, da lógica de respeito a uma parte da sociedade, no caso os moradores de favelas, sobre o seu direito à segurança pública.
Como tem feito em todos os casos de violações de direitos na região, sejam eles provocados pelas forças de segurança ou pelos grupos civis armados, a Redes da Maré repudia mais esse episódio ocorrido e se junta a todas e todos na busca por soluções estratégicas e estruturantes para transformarmos esse contexto.
Esse tipo de violência, que mais uma vez atinge os moradores das 16 da Maré, além de privar a população da região de acessar direitos básicos como educação e saúde, vem dizimando gerações nas favelas e periferias através da articulação entre matar e deixar morrer.
Foto © Naldinho Lourenço
Redes da Maré
Rio de Janeiro, 07 de novembro de 2021
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